7 | I Série - Número: 035 | 17 de Janeiro de 2008
representante em nome do seu compromisso e nenhuma razão da facção maioritária se lhe pode sobrepor, pois a democracia não tolera que a vantagem do poder se imponha contra a virtude da coisa pública! A exigência republicana do «governo equilibrado» de Aristóteles fundamenta-se no carácter irrenunciável do comprometimento eleitoral, que é a essência da representação. E por isso, tanto anos depois, na revolução americana, Thomas Jefferson alertava contra o risco de o poder se alojar num grupo, se a indiferença esvair a república.
A utilização instrumental do poder ao serviço da facção do Governo é, por tudo isto, a violação do contrato político.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sei que esta volúpia do poder tem a idade de sempre do absolutismo: os neoconservadores, Sr. Primeiro-Ministro, apaniguados de George Bush, reclamam o direito de o soberano enganar o seu povo sempre que tal lhe convier, e assim procederam. Para o mais distinto dos absolutistas, Thomas Hobbes, o poder soberano não está sujeito às suas próprias leis e a política é, portanto, um artifício de dominação.
Por isso, quem convoca aqui a palavra dada lembra-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que o contrato que estabelece a sociedade política só é democrático quando a representação responde pelo seu compromisso.
Escrevia John Locke que «A liberdade dos seres humanos sob um governo consiste em ter uma regra estabelecida para viver, e não ter que me submeter à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de um outro homem».
Eu, cidadão livre, não me submeto à vontade inconstante, incerta e arbitrária de um outro homem, por mais poderoso que ele seja!
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — A democracia é a regra e perde-se quando aceita o arbítrio.
E, como é evidente, a inconstância e a arbitrariedade da sua decisão sobre questões decisivas, Sr.
Primeiro-Ministro! Os impostos, o emprego, o direito a decidir sobre o futuro da Europa — três questões constituintes.
Violadas as promessas, medíocres justificações são exibidas: ignorância, inércia, desinteresse, exclusividade da política sem os cidadãos. Em todas elas está a tirania da parte contra o todo!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Mas em nenhuma fica mais clara essa vertigem autoritária do que na recusa da sua própria palavra sobre a Europa.
O Primeiro-Ministro, aliás, não permite qualquer dúvida sobre a sua decisão. Quando se vangloriou da aprovação do Tratado, dizia: «Este é um dos dias mais importantes da minha carreira política». E para os portugueses que não têm carreira política não é um dia importante?!...
Dizia o Primeiro-Ministro que «Com o Tratado, a Europa vence o impasse político e institucional que limitou a sua capacidade (…) nos últimos anos». E se o Tratado salva a Europa, Sr. Primeiro-Ministro, como pode ser aprovado sem os europeus?!
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Não, o Primeiro-Ministro não argumenta que o Tratado seja irrelevante! Pelo contrário, enaltece-lhe o brilho. Sem o Tratado, a sua carreira política ficaria atrasada e a Europa estaria à deriva! O Tratado, então, deve ser discutido como o que é realmente: a fundação da Europa alargada a 27, com o seu modo de decisão maioritária, o seu presidente, o seu alto representante, a sua personalidade jurídica, a sua política monetária, a organização dos mercados, numa palavra, a definição da União. Mas foi precisamente sobre todas e cada uma destas escolhas que o referendo foi prometido, e a opinião dos europeus é necessária! Havia mesmo, e desde há muito, um consenso nacional para que o tratado europeu fosse referendado.
Para tanto se fez uma revisão constitucional em 2005, prevendo especificamente um referendo sobre, diz a Constituição, um «tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia», o que, na opinião de Jorge Miranda, define um «regime específico» que obriga jurídica e constitucionalmente à realização do referendo.
É certo que o Primeiro-Ministro recusa que tal consenso existisse, mesmo à custa do paradoxo de uma revisão constitucional excedentária.
Façamos então o exercício de ignorar tal injunção constitucional.
Ainda assim, vou demonstrar-vos, Sr.as e Srs. Deputados, que a promessa do referendo era imperativa e,