20 | I Série - Número: 004 | 23 de Setembro de 2010
O que quero perguntar-lhe, Sr.ª Ministra, tem a ver com o seguinte: no último debate sobre o estado da Nação, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou ao mundo que a condição de recurso vem apenas — e sublinho este «apenas» — em benefício do Estado social. Ora, uma vez que, só até 20 de Agosto, a segurança social já tinha cortado a prestação a 5% das famílias que beneficiavam do rendimento social de inserção e já tinha reduzido o montante a 44% dessas famílias, e que 7% dos beneficiários do subsídio social de desemprego tinham ficado sem esta prestação — e isto apenas até 20 de Agosto! — , em face destes números, pergunto: a Sr.ª Ministra também partilha da ideia de que a condição de recurso vem apenas em benefício do Estado social? Não acha, Sr.ª Ministra, que era possível combater a fraude sem excluir milhares de famílias que, de facto, necessitam desses apoios? É com estas medidas que o Governo do Partido Socialista pretende defender o Estado social?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, o Governo não respondeu ainda aos desafios lançados pelo Bloco de Esquerda. E porque a Sr.ª Ministra falou numa leitura atenta dos dados, gostava de fazer consigo uma leitura atenta do Programa do Governo. Ora, o Programa do Governo, Sr.ª Ministra, diz, na pág. 62, que o Governo vai continuar a combater os falsos recibos verdes, eliminando-os definitivamente no Estado.
O Programa do Governo, Sr.ª Ministra, diz que o Governo vai combater a precariedade e promover o trabalho e o emprego digno. Trabalho e emprego digno, Sr.ª Ministra?! Certamente conhece o estudo do Banco de Portugal que diz que 9 em cada 10 empregos novos são precários e que isto atinge sobretudo os jovens.
Combater a precariedade, Sr.ª Ministra?! Sr.ª Ministra, 75% das propostas de emprego que são apresentadas no site do Instituto de Emprego e Formação Profissional dizem respeito a trabalho precário e mais de metade em empresas de trabalho temporário.
O Sr. João Semedo (BE): — Bem lembrado!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Quanto a eliminar definitivamente os recibos verdes do Estado, só este ano, nas autarquias, o número de trabalhadores que estão a recibo verde aumentou 25% e, no Orçamento do Estado para 2010, o seu Governo previu mais 106 milhões de euros para contratar precários. Está tudo ao contrário, Sr.ª Ministra! O Governo é o maior empregador de precários. Só admira como é que ainda não foi preso com tamanha ilegalidade! O Governo prefere gastar dinheiro com as empresas de trabalho temporário do que regularizar os trabalhadores precários. E à medida que a precariedade se generaliza, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) tinha a obrigação de fazer valer as leis do trabalho. Ora, no momento em que há mais precários, em que há mais abuso, em que há mais ilegalidade, o número de detecções da ACT desceu para metade, em 2009, ou seja, para 326 casos. Sr.ª Ministra, 326 casos?! Só recibos verdes falsos são mais de 800 000 e a ACT só detectou 326 casos! Sr.ª Ministra, não nos diga que a precariedade é a única hipótese devido à crise internacional. É que, por exemplo, os precários da Portugal Telecom, aqueles que ganham 2,90€/h num call center, sabem bem que há administradores, como Rui Pedro Soares, que ganharam, no ano passado, 1,5 milhões de euros num ano, ou seja, 4200€/dia. Ganharam esse valor sozinhos! Rui Pedro Soares ganhou sozinho mais que os 210 trabalhadores que trabalham naqueles call centers da sua empresa.
Sr.ª Ministra, é disto que estamos a falar, não é de inevitabilidades, é de injustiça, é de desigualdade, é de uma resignação gritante com estes privilégios e com esta desigualdade.
Por isso, queremos uma resposta clara relativamente à razão pela qual o Governo não aceita a proposta do Bloco de Esquerda para integrar os precários que estão a trabalhar no Estado (professores, enfermeiros, auxiliares, etc.). Por que razão não aceita acabar com esta ilegalidade? Por que é que não cumpre o seu compromisso? Por que motivo não aceita esta proposta que já foi uma lei de Guterres? Por que não aceita reforçar os poderes da ACT para acabar com esta ilegalidade, dando mais meios à Autoridade para as Condições do Trabalho?