49 | I Série - Número: 026 | 3 de Dezembro de 2010
Nuno Sá, Deputado à Assembleia da República do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, nos termos
legais e regimentais aplicáveis, vem apresentar a seguinte declaração de voto:
No dia 2 de Dezembro do corrente ano, votei contra o projecto de lei n.º 449/XI (2.ª), apresentado pelo
Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, cujo objecto era a tributação dos dividendos distribuídos
por sociedades gestoras de participações sociais, não só porque foi decidido aplicar a disciplina de voto à
bancada do PS, à qual, como militante do PS, estou obrigado, mas também porque entendo que a redacção e
solução legal encontradas pelo projecto de lei em apreço não são as mais adequadas.
Com a crise internacional financeira e económica, que também enfrentamos, exigiu-se a adopção de
medidas de austeridade e de sacrifício. Porém, é preciso reafirmar a necessidade, por razões éticas, morais e
humanistas, de estas medidas, com consequências difíceis para a vida das pessoas, serem decididas com
base em critérios de justiça social e de repartição de esforços, de acordo com a riqueza e possibilidades de
cada cidadão.
Assim, a tributação de dividendos distribuídos pelas sociedades gestoras de participações sociais prevista
na Lei do Orçamento do Estado para 2011 é uma opção de justiça e de equidade na exigência que a todos os
portugueses é feita, no sentido de consolidar as finanças públicas e promover o crescimento económico do
País. Com o objectivo de ultrapassar as actuais dificuldades financeiras, económicas e sociais, o Governo,
pelo Orçamento do Estado para 2011, convoca todos os portugueses a contribuir para o contexto de
austeridade que vivemos e é totalmente inaceitável que aqueles que mais têm não sejam os que contribuam
mais.
A despudorada, e publicamente anunciada, jogada de antecipação, por parte de alguns agentes do poder
económico, à referida decisão de tributação de dividendos revela uma vergonhosa irresponsabilidade social.
Torna-se evidente a falta de sentido de solidariedade, de justiça e de visão empresarial moderna, bem como o
alheamento, face às fracturas e quebra de paz social que este tipo de comportamentos pode gerar nas
sociedades.
A esta afronta dos detentores do capital, o poder político deveria ter reagido com determinação e acção na
defesa de uma justa divisão de encargos pelas diferentes classes sociais. Este era o momento de afirmação
da declaração de princípios do Partido Socialista, de acordo com a qual a tributação de dividendos prevista
para 2011 jamais poderia ser frustrada. Não se pode pactuar pelo silêncio com uma qualquer manobra,
mesmo que coberta por uma mera legalidade formal, quando se percebe claramente que é abusiva,
injustificada e injusta.
Como a antecipação de distribuição de dividendos foi, por alguns, exigida e anunciada publicamente,
depois de conhecida a Lei do Orçamento do Estado para 2011, o PS deveria ter apresentado uma iniciativa
legislativa de motu próprio para dar resposta ao desafio colocado pelo posicionamento das sociedades
gestoras de participações sociais. Por diversas vezes e em muitos momentos, suscitei a discussão deste
assunto, manifestando a minha preocupação simultânea pela fragilidade legal do projecto de lei n.º 449/XI
(2.ª), do PCP, e pela ausência de soluções da parte do PS.
A minha consciência e responsabilidade ética obrigam-me a declarar que a condução política deste
processo não foi nem corajosa, nem leal e muito menos competente, sendo estas as razões pelas quais me
demarco da tramitação processual e das opções políticas, marcadas pela omissão, que o PS entendeu seguir
neste caso específico.
Por tudo o exposto, considero que teria sido útil, desejável e justa a apresentação de uma solução técnica
própria por parte do PS. Neste domínio, são conhecidas várias soluções defendidas por diferentes
personalidades da sociedade e por alguns especialistas do mundo académico. Veja-se, por exemplo, o
parecer sobre esta matéria elaborado pela OTOC ou as propostas elaboradas por Deputados do Grupo
Parlamentar do PS e por Deputados de outros grupos parlamentares.
Pese embora diferentes responsáveis do PS terem afirmado publicamente que estavam a procurar
soluções técnicas, tal não me esmoreceu no sentido de também encontrar essas mesmas soluções, que, em
devido tempo, e como é óbvio, me disponibilizei a partilhar.
Entendo que, ou pela via de uma lei de autorização legislativa ao Governo, se para tal se reunissem as
condições políticas, ou através de um projecto de lei próprio, o PS deveria ter garantido a efectivação da
tributação dos dividendos, mesmo que ocorressem fenómenos anormais de antecipação da sua distribuição.