40 | I Série - Número: 034 | 6 de Janeiro de 2011
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Referem as notícias que o Governo português aceitou a solicitação norteamericana em 2009, mas só em Novembro de 2010 solicitou parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) sobre a matéria.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Pois claro!
O Sr. António Filipe (PCP): — Estas notícias são muito preocupantes e não podem passar sem um sério juízo de censura à actuação do Governo português. Desde logo porque a matéria referente ao tratamento de dados pessoais tem em Portugal tutela constitucional expressa, que proíbe a interconexão não autorizada de ficheiros de dados pessoais e que garante a sua protecção através de autoridade administrativa independente.
Não se vê, portanto, como podem os dados em causa ser fornecidos a um Estado terceiro indiscriminadamente sem que haja uma flagrante violação de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
Na verdade, a Constituição Portuguesa, no seu artigo 35.º, n.º 4, proíbe o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei. Esta proibição visa proteger os cidadãos contra o uso disfuncional dos seus dados pessoais para fins que os interessados não conhecem e perante os quais não têm qualquer possibilidade de intervenção. E qualquer excepção a esta proibição tem de respeitar o regime constitucional das restrições de direitos, liberdades e garantias.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Ou seja, tem de ser previsto na lei, tem de se limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não pode diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Nada disto é compatível com o acesso de outros Estados a bases de dados pessoais de cidadãos nacionais.
Depois, causa enorme estranheza que, tendo sido esta matéria negociada em 2009 com as autoridades dos Estados Unidos da América, essa negociação tenha sido rodeada de secretismo e não tenha sido solicitado em tempo o parecer da CNPD.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Por boa razão não foi!
O Sr. António Filipe (PCP): — Esta atitude não é aceitável. A protecção de dados pessoais é, nos termos constitucionais, assegurada por uma entidade administrativa independente, que no caso é a CNPD. Visa esta disposição constitucional subtrair à discricionariedade do poder político a tutela de uma questão sensível do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Não poderia, portanto, o Governo assumir compromissos no plano internacional que tenham implicações em matéria de dados pessoais sem que haja qualquer possibilidade de a CNPD se pronunciar em tempo útil sobre a matéria em causa.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Finalmente, sendo esta matéria da competência reservada da Assembleia da República quer por se tratar de um acordo internacional, quer por se tratar de matéria relativa a direitos, liberdades e garantias, é de estranhar e de lamentar que não tenha sido dada a este órgão de soberania qualquer informação acerca do processo negocial em curso.