14 | I Série - Número: 074 | 6 de Maio de 2011
acordo. Hoje sabemos o que lá está. Nesse contexto, estamos em condições de avaliar a recomendação de José Sócrates, que ontem mesmo dizia ser preciso ter a grandeza de reconhecer que este é um bom acordo.
Pois bem, queremos daqui dizer que grandeza é ter o discernimento de perceber que estamos no fim de uma campanha de gestão de expectativas, em que, durante duas semanas, se foi preparando o País para a morte por asfixia e que agora se vêm tecer louvores por, afinal de contas, o País entrar em coma. Não é bom, portanto. Não é bom nem a morte por asfixia nem a entrada em coma do País. Este é um mau acordo para a grande maioria do País, e é preciso ter a grandeza de o dizer também nesta Assembleia da República.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Mas, mais do que isso, o Governo mostra a sua satisfação por estarmos diante de pouco mais do que o PEC 4. Queremos sublinhar essa opinião, porque demonstra que, afinal de contas, tínhamos nós razão quando, ao apreciarmos o PEC 4, dissemos o que tinha de ser dito: que o PEC 4 era já a política do FMI em Portugal.
O Sr. José Gusmão (BE): — Exactamente! Essa é que é essa!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — José Sócrates e o Governo imediatamente dramatizaram, dizendo: «Ainda vão ver o que é o FMI! Ainda vão ter saudades do PEC 4»! Mas hoje, ao dizerem o que dizem, confessam que, afinal de contas — aliás, com um sorriso razoavelmente prazenteiro — , o FMI já tinha aterrado na Portela quando aqui, democraticamente, derrotámos o PEC 4.
Este acordo, Sr.as e Srs. Deputados, é um ataque duríssimo à grande maioria do País: congelamento de salários e de pensões; aumento brutal da electricidade e dos transportes, com repercussões evidentes nos preços dos bens essenciais; aumento significativo das taxas moderadoras e diminuição da comparticipação em medicamentos; cortes nas prestações sociais e sua tributação; aumento de impostos; ataque inédito e até, diria eu, obsceno ao subsídio de desemprego; desemprego galopante; despedimentos em saldo. Tudo isto faz deste acordo um péssimo acordo para o País.
Mas há duas entidades que dizem tratar-se de um bom acordo.
De um lado está o Governo, o PSD e o CDS. E quero dizer aqui que nunca, como hoje, a expressão «carta de conforto» foi tão excelente para retratar a posição dos partidos da direita. Quem está confortável, escreve cartas de conforto. É o que os senhores vão fazer!
Aplausos do BE.
Mas, pasme-se!, vão assinar um acordo sem sequer saberem qual o juro que vai ser aplicado. É como assinar um contrato para compra de habitação sem se saber qual vai ser o spread do empréstimo!
O Sr. José Gusmão (BE): — É assinar de cruz!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Mas há uma outra entidade que está satisfeitíssima com este acordo.
Essa outra entidade é o sector financeiro. Fernando Ulrich disse o que tinha de ser dito: «É um excelente programa.» E disse mais: «É um final feliz.» Como nós compreendemos Fernando Ulrich! Na verdade, um sector financeiro que vê, através deste acordo, subir de 20 milhões para 30 000 milhões o fundo de garantia dos depósitos, um sector financeiro que vê injectado directamente, a partir do empréstimo, 12 000 milhões de euros para a sua recapitalização, que não quer fazer com o seu próprio esforço, um sector financeiro que vê a disponibilidade do Estado para entrar no capital social dos bancos, um sector financeiro que vê a continuidade da iniquidade fiscal a seu favor, um sector financeiro assim só pode concluir que este é um excelente acordo e que é um final feliz.
Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, o Sr. Ministro das Finanças, hoje de manhã, em conferência de imprensa, disse algo que eu queria aqui sublinhar. Vou citar as suas palavras, Sr. Ministro das Finanças: «O melhor é não falar do futuro, porque sempre que falamos do futuro arriscamo-nos a estragá-lo».