I SÉRIE — NÚMERO 33
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O Governo assumiu o poder com um indigente discurso que se limitava a meia dúzia de banalidades
populistas sobre uma suposta libertação da cultura do Estado, mas com nenhuma ideia ou plano estratégico
em concreto. Para colmatar esta indisfarçável lacuna, o então Secretário de Estado da Cultura recorreu
sistematicamente à recuperação de propostas, de projetos ou de ideias do Partido Socialista, mas nem assim
conseguiu demonstrar qualquer capacidade para as concretizar convenientemente. O exemplo mais flagrante
até agora é o da lei do cinema, que ainda não conseguiu regulamentar, apesar das sucessivas promessas,
tornando-a por isso inaplicável até na versão minimalista das melhorias por nós anteriormente propostas.
Hoje, temos um novo exemplo muito concreto deste modus operandi, com o decreto que está aqui em
apreciação. Por isso, começo por deixar bem claro que o Partido Socialista estava, está e sempre estará
disponível para tentar encontrar soluções para diminuir os custos de funcionamento de qualquer grande
instituição cultural do Estado a fim de canalizar o máximo da verba disponível para aquela que é a sua razão
de ser: a criação artística.
O que debatemos aqui, hoje, não é uma ideia ou uma proposta, é um decreto-lei que já foi aprovado em
Conselho de Ministros e publicado em Diário da República e são as incongruências nele contidas que devem
ser avaliadas.
A primeira é a própria criação do agrupamento complementar de empresas que, segundo o texto, adotará a
denominação de GESCULT — Serviços Partilhados da Cultura, ACE, no qual participam o Teatro Nacional de
São Carlos, a Companhia Nacional de Bailado, o Teatro D. Maria II, o Teatro Nacional de São João e, a
grande novidade, a Cinemateca. Aliás, o GESCULT já aparece no Orçamento do Estado como uma entidade
reconhecida. O Governo parece ter esquecido que um ACE não se decreta, pois é um contrato entre várias
empresas.
Portanto, a primeira pergunta é simples: como pode estar no Orçamento do Estado uma entidade que não
existe legalmente? Ou será que existe? Se sim, onde está o contrato constitutivo celebrado entre estas
empresas? Há algum registo deste GESCULT, ACE? Que empresas assinaram este acordo?
Esta questão leva-nos à segunda incongruência deste diploma: onde se decreta a cisão do Organismo de
Produção Artística, EPE (OPART) e a criação de duas entidade públicas empresarias (EPE) — Teatro
Nacional de São Carlos e Companhia Nacional de Bailado?
Ora, independentemente da bondade ou da oportunidade desta medida, a questão é saber se esta cisão é
possível, porque as últimas contas que temos do OPART datam de dezembro de 2010, onde constava um
passivo. Desde então, as contas do OPART entraram na clandestinidade.
O tempo é muito curto, por isso não posso elencar aqui todas as incongruências deste diploma.
O mais extraordinário é que este diploma cria entidades públicas empresariais, as quais antes mesmo de o
serem efetivamente já são entidades reclassificadas.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, tenho que ficar por aqui nesta minha intervenção, mas
quero dizer que neste diploma não há um artigo que seja exequível.
Por isso, o Partido Socialista apresenta um projeto de resolução no sentido da sua total revogação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Catarina
Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.a
e Sr. Secretários de Estado:
Vou referir-me a esta entidade estranha, o GESCULT.
A direita gosta muito de dizer que não se deve atirar dinheiro para cima dos problemas. Na cultura, é
assim: os senhores retiram dinheiro e, depois, para esconderem o desinvestimento, atiram problemas
burocráticos para cima das estruturas de criação artística.
Estes problemas vêm de longe e este Governo só os agrava. Já há mais de cinco anos, quando decidiu
juntar a Companhia Nacional de Bailado com o Teatro de São Carlos, em vez de resolver os problemas
específicos dos bailarinos da Companhia Nacional de Bailado — os quais, aliás, continuam à espera daquilo
que está no Programa do Governo e o Governo nada faz quando a isso —, criou o OPART, ou seja, criou uma
estrutura burocrática por cima de um problema que não foi resolvido. Na altura, a resposta foi a seguinte: