28 DE DEZEMBRO DE 2012
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto Lourenço para
uma intervenção.
O Sr. José Alberto Lourenço (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Assim como assistimos ao
encerramento, nos últimos anos, de milhares e milhares de empresas — e, em consequência, centenas de
milhares de trabalhadores perderam o seu emprego e caíram no desemprego ou tiveram de emigrar —,
assistimos a este estranho fenómeno que é a abertura de centenas e centenas de casas de compra e venda
de ouro.
Não há, hoje, vila ou cidade portuguesa que se preze que não tenha a sua casa de compra e venda de
ouro, em que se promete trocar o ouro velho, danificado ou que já não se usa por dinheiro, pago logo no
momento, após uma avaliação técnica feita por consultores da própria casa.
Só entre 2008 e 2011, o número de ourivesarias, designação oficial em que se enquadram estas lojas,
passou de 3450 para 5055 e só nos primeiros três meses do corrente ano abriram, em média, duas lojas
destas por dia. O resultado deste negócio florescente é bem visível no valor das exportações de ouro nos
últimos anos e nos 10 primeiros meses do corrente ano, valores que refletem apenas as chamadas
exportações legais e que foi possível registar, mas muitos mais milhões saíram certamente sem qualquer
contabilização, conhecida a forma quase clandestina e mesmo de mercado paralelo como a grande maioria
destas Casas tem funcionado.
Se entre 2000 e 2007 o valor das exportações de ouro variou entre 9,3 e 6,9 milhões de euros, em 2008
esse valor subiu para 33,4 milhões de euros, e a partir daqui a subida tem sido de tal forma exponencial que,
em 2011, atingiu os 519 milhões de euros e, nos primeiros 10 meses de 2012, ultrapassou os 560 milhões de
euros.
Sem grande margem de erro, é hoje possível estimar para as nossas exportações de ouro em 2012 um
valor que se aproximará dos 700 milhões de euros.
As exportações de ouro cresceram, desta forma, pelo menos 100 vezes nos últimos cinco anos.
Esta é uma evolução que não pode ser justificada pelo comportamento dos chamados mercados, neste
caso do mercado do ouro, mas cuja justificação terá de ser procurada na forte quebra do rendimento das
famílias registado a partir de 2008, o que as levou a proceder à venda de muitas das suas joias para poderem
manter o seu nível de rendimento, acompanhada por um regulamento de contrastaria completamente
desatualizado e por uma fiscalização praticamente inexistente, que deixou as famílias portuguesas detentoras
de ouro e metais preciosos nas mãos de compradores de outro sem escrúpulos e sem o apoio de uma
entidade independente que pudesse fazer uma avaliação justa do valor desses bens.
Foi neste contexto que, há cerca de um ano, no âmbito da Comissão de Economia e Obras Públicas, foi
criado um grupo de trabalho denominado de «compra e venda de ouro», cujo objetivo era a apreciação e
avaliação da atualidade da legislação relativa à compra e venda de metais preciosos em segunda mão nas
diversas vertentes, nomeadamente licenciamento, comércio, publicidade, com vista a uma eventual iniciativa
legislativa.
Esse grupo de trabalho desenvolveu um trabalho de alta qualidade que o relatório por ele produzido a 9 de
maio passado bem atesta.
Das suas principais conclusões, destaca-se a necessidade de ser produzido um novo regulamento das
contrastarias que substitua o atual que é desadequado e que deveria ser aprovado, no máximo, a tempo de
entrar em vigor antes da renovação das próximas matrículas, no próximo mês de janeiro.
O projeto de resolução que discutimos defende isso mesmo, mas até que este novo regulamento surja, as
famílias portuguesas, detentoras de ouro e metais preciosos que atravessem enormes dificuldades e que
sejam forçadas a vender o ouro e as joias da família, irão continuar nas mãos de alguns comerciantes que
fixam o preço da compra destes bens a seu bel-prazer, arrecadando, assim, com a sua posterior venda para o
estrangeiro, lucros fabulosos.
Poderemos estar a assistir a verdadeiros crimes contra o património cultural do País, com muitas obras de
arte da joelharia portuguesa a serem derretidas para posterior venda ao estrangeiro.