I SÉRIE — NÚMERO 44
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Estão já inscritos, pelo Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Catarina Martins, pelo PSD, o Sr. Deputado
Luís Menezes e, pelo CDS-PP, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
Tem a palavra, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Qualquer português ou
portuguesa que tenha estado fora e sem notícias do País no último ano e meio e tenha aterrado ontem, deve
ter ficado convencido de que estamos a viver dias de grande prosperidade. O tom exultante dos partidos que
apoiam o Governo e o ar descontraído dos ministros davam o mote. À noite, só faltou aos correligionários da
austeridade abrirem garrafas de champanhe nas televisões. Tudo está bem quando acaba bem, e a política do
Governo está a conduzir-nos a bom porto. Será?
Vamos, então, por partes. O País pode regressar aos mercados, mas nunca existirá sustentabilidade da
dívida sem crescimento da economia. Podemos ter o tempo que quisermos para pagar os juros, mas a
austeridade torna impossível pagá-los. Se persistir o rumo da troica, não há regresso aos mercados que
garanta emprego e crescimento. O Governo está a fazer a festa sobre o nosso enterro.
«É a economia, estúpido», dizia para si próprio um dos mais recentes presidentes norte-americanos.
Alguém no Governo que escute Bill Clinton e traga os ministros de volta à terra e ao País!
Diz o Governo, todo contente consigo próprio, que o regresso do País aos mercados de longo prazo e a
renegociação dos prazos de pagamento se devem ao reconhecimento internacional da política de austeridade
e ao cumprimento do défice orçamental.
A história tem tudo para ser boa, mas, lamento, não passa disso mesmo: uma história — e das mal
contadas.
Os juros estão a descer desde Setembro, e a descer a pique, em toda a Europa. Na Grécia, caíram para
metade, desde que o Banco Central Europeu se assumiu como um credor de último recurso; na Espanha e na
Itália, desceram abaixo dos 5 pontos, uma queda superior a 20%.
O regresso aos mercados não é, pois, o resultado da ação do Governo. Deitem o pescoço de fora, Sr.as
e
Srs. Deputados do PSD e CDS, e espreitem para aqui bem perto: para Espanha, Itália, Irlanda ou até mesmo
a Grécia, onde os juros estão a cair na mesma proporção dos portugueses.
O regresso aos mercados também não é resultado da execução orçamental. Espreitem, Sr.as
e Srs.
Deputados do PSD e do CDS, e olhem para aqui bem perto, para Espanha. Tornou-se, ontem, claro que o
mais certo é a Espanha não cumprir o défice acordado, mas, mesmo assim, teve um sucesso gigantesco na
colocação da dívida.
Os mercados não querem saber da austeridade para nada, mas da proteção do seu dinheiro. E este é
outro dos dados de ontem. Este programa fanático, ideologicamente guiado por um ajuste de contas da direita
com o Estado social, que sempre viu como um mal necessário, não pretende responder a nenhuma crise, mas
aproveitá-la como um expediente.
O relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento é claro: 4 em cada 5 € da austeridade
aplicada por Passos Coelho, Paulo Portas e Vítor Gaspar foram engolidos pela queda das receitas fiscais. Isto
não é uma consolidação orçamental, mas a destruição orçamental da economia.
Pagámos mais impostos, e ainda nos pedem muito mais este ano; desinvestiram em tudo o que são
serviços públicos, e ainda querem cortar muito mais, mas a destruição da economia gerada por esses mesmos
impostos tornou tudo isso um esforço em vão.
Sr.as
e Srs. Deputados, não só as pessoas não se alimentam de mercados ao pequeno-almoço, como diz o
apoiante da maioria, Pires de Lima, como os dados da economia aí estão para teimosamente contrariar o
otimista Gaspar. Ainda hoje, ficámos a saber, através do Eurostat, que a dívida pública nacional atingiu o valor
mais elevado de sempre. São mais 25 000 milhões de euros, desde que a direita e a troica tomaram conta dos
destinos do País. Não só a dívida não para de crescer, como cresce muito mais depressa do que o Governo
alguma vez admitiu. São mais 7 pontos, ou 11 000 milhões de euros, do que aquilo que estava calculado no
Memorando. Com sucessos destes, Sr.as
e Srs. Deputados do PSD e CDS, quem precisa de derrotas?
O que o Governo teima em fingir não perceber é que a sustentabilidade da dívida não depende apenas dos
juros, mas da relação destes com o crescimento económico. Ainda que os juros fiquem nos 3% ou 4%, não há
forma de os pagar, quando o País se encontra em recessão permanente e a perder 2% ou 3% da riqueza
todos os anos.