I SÉRIE — NÚMERO 83
4
correram a disponibilizar milhares de milhões de euros para a banca. Os bancos acenaram com operações
financeiras de alto risco e administradores de empresas públicas correram a ditar prejuízo para as mesmas,
mas grande rentabilidade para o sistema financeiro. «Swap» é como chamam àquilo que é um verdadeiro flop
para as contas do País. Que esbanjamento de dinheiros públicos!
Não nos venham, então, dizer que não há dinheiro para pagar salários ou para pensões, que não há
dinheiro para garantir um sistema educativo de corpo inteiro, que não há dinheiro para um Serviço Nacional de
Saúde eficaz, que não há dinheiro para o funcionamento de serviços públicos de que os portugueses
precisam. Há dinheiro, há!, só que ele é canalizado para o sistema financeiro. Ainda por cima, garantiram-nos
que o dinheiro ia para os bancos, para que estes depois gerassem empréstimos para as empresas. Nada
disso aconteceu! E qualquer apoio que o Governo anuncie, já tarde, para uma economia que pôs nas ruas da
amargura, fica sempre, sempre a léguas de distância dos montantes que disponibilizou para a banca. Como é
que isto é sustentável?
Neste País, está a criar-se uma bolsa de pobreza abominável, a fome prolifera no País, o número de
desempregados é dramático, a emigração forçada por falta de esperança é assustadora, a dívida não para de
crescer. Isto tem que estancar! Para se sustentar a riqueza do sistema financeiro e do grande poder
económico, fabrica-se e alastra-se pobreza entre a generalidade dos portugueses.
Estamos a regredir, minhas senhoras e meus senhores. A regredir!
Sr. Presidente da República, o País não aguenta mais estas políticas delapidadoras. E não é o vaivém de
membros do Governo que resolve a situação. Devolver a palavra aos portugueses é do mais elementar
interesse nacional neste momento, Sr. Presidente.
E, depois, cuidado com as falácias. Tudo é vendido sob o rótulo da modernidade. Muda-se a legislação
laboral para facilitar o despedimento ou desregular os horários de trabalho, e diz-se que isso é moderno.
Criam-se mega-agrupamentos escolares, com milhares de alunos, e diz-se que não há modernidade como
esta. Encerram-se serviços de proximidade, como unidades de saúde, postos de CTT, esquadras da PSP, e
diz-se que isto é que é moderno. Acaba-se com freguesias, fragilizando o poder local democrático, o de maior
proximidade, e acha-se isso de uma modernidade absoluta. Quer-se privatizar tudo, tudo, da energia aos
transportes, à água, ao mar, com graves prejuízos para o País, e acha-se que isso é o cerne da modernidade!
Estamos a regredir, minhas senhoras e meus senhores. A regredir!
E cuidado com as ilusões. Quando aderimos à União Europeia e depois ao euro, as promessas de
progresso infindável e sustentável não paravam. Nós alertávamos: atenção, porque estão a enviar-nos
subsídios e vastos montantes de dinheiro para deixarmos de produzir no nosso País — tornar-nos-emos,
assim, mais dependentes do exterior (estavam a comprar-nos soberania); atenção, dizíamos, porque o
problema não é aderir a uma União Europeia, mas, sim, a esta União Europeia com estas características de
serviço às economias mais fortes e de fragilização das mais fracas.
Éramos acusados de ter vista curta, de não perceber a dimensão da tal modernidade! Hoje, infelizmente (e
redigo infelizmente), percebeu-se que tínhamos razão — «Este mundo não presta, venha outro/Já por tempo
de mais aqui andamos/A fingir de razões suficientes» (José Saramago).
Ouçam-nos, então: Detetada uma das maiores causas do problema que hoje enfrentamos — o facto de
termos deixado de ter capacidade produtiva —, é preciso reverter a situação. O País precisa de recomeçar a
produzir, produzir sustentavelmente. A relocalização da produção traz enormes vantagens, do ponto de vista
ambiental, social e económico.
Produzir é ganhar capacidade de gerar riqueza num país. É para aí que todos os esforços se devem voltar.
E este País tem valores naturais tão ricos e diversos — da terra ao mar, uma costa imensa, um mundo rural
repleto de potencial, magníficas paisagens, um excelente clima —, fatores tão propícios a um desenvolvimento
com sustentabilidade. Mas, para haver atividade produtiva, as micro, pequenas e médias empresas têm de ser
apoiadas, relançadas, e o mercado interno tem de deixar de estar estrangulado. E, para isso, é determinante
que os portugueses ganhem poder de compra, para o que é fundamental o aumento do salário mínimo
nacional e a reposição do que foi retirado nos salários e pensões da generalidade dos portugueses. Isto não é
esbanjar dinheiro, isto é relançar o País para a dinâmica necessária. É, de resto, a única forma de podermos
pagar dívida. Sem produção de riqueza, para além de não conseguirmos pagar dívida, não conseguiremos
deixar de nos endividar cada vez mais. Canalize-se o dinheiro para onde ele dá frutos e não para sustentar os
ricos que navegam em ganância.