I SÉRIE — NÚMERO 89
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saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, modificando os regimes de
faturação e contraordenacional.
Não podemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, acusar o Governo de incoerência, porque, de facto, os
diplomas estão todos alinhados. Podemos, isso sim, acusar o Governo de astuta e paulatinamente criar todas
as condições para privatizar o setor da água.
E como se tal não fosse suficiente, fá-lo criando garantias aos privados de que as tarifas sobem e de que
os municípios pagam as suas dívidas. Sim, os municípios, esses parceiros tão malcomportados que viram as
dívidas à Águas de Portugal ultrapassar os 555 milhões de euros em 2012, representando, como a Sr.ª
Ministra disse, um crescimento de 27% em relação a 2011!
Não posso, neste particular, deixar de manifestar a minha estranheza pela coincidência de a Águas de
Portugal ter libertado um documento com valores questionados pelos municípios, precisamente na véspera ou
antevéspera deste debate.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exatamente! Bem lembrado!
O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Aliás, a Associação Nacional de Municípios Portugueses já veio refutar
os valores que a Águas de Portugal diz serem o total da dívida. Nada disto me parece ingénuo. Pena é que
esse documento não faça qualquer referência às diligências da Sr.ª Ministra desde 2011 para a resolução dos
conflitos entre a Águas de Portugal e as nossas autarquias e para a resolução do problema das dívidas. Ainda
há pouco a Sr.ª Ministra falou de uma norma do Orçamento do Estado para 2012, reconhecendo-a como um
fracasso completo, pois não conseguiu recuperar nenhuma das dívidas em atraso. Pelo contrário — aliás,
como em relação ao resto do défice do Estado —, o que houve foi um aumento, ao contrário do que se passou
com o défice das autarquias, que diminuiu no ano passado! Quiçá não o pudesse fazer pois tais diligências
nunca «viram a luz do dia» e, portanto, imaginamos que o novo conselho de administração da Águas de
Portugal também não foi capaz de encontrar soluções com os seus parceiros, os municípios, para a resolução
das dívidas.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Repito, o diploma que hoje apreciamos é, assim, mais um passo no
sentido da criação de condições para privatizar a água.
Só isso explica que o diploma preveja, e cito, «O não pagamento atempado pelos utilizadores finais das
suas dívidas aos sistemas municipais não afasta a responsabilidade destes perante as entidades gestoras dos
sistemas multimunicipais (…) relativamente às importâncias que sejam devidas a estas (…)». Aliás, foi sobre o
teor do que acabei de citar que coloquei exatamente as questões que me pareciam pertinentes ser
respondidas, de forma a que não houvesse dúvidas quando, em relação a esta matéria, se fala de
consumidores finais e sobre o que se pretende com esta norma da proposta de lei.
Trata-se de uma peça legislativa só aparentemente inocente, pois coloca em causa a autonomia do poder
local, prevendo a consignação direta das receitas para o ressarcimento das dívidas das autarquias aos
sistemas multimunicipais, criando, ainda, um conjunto de obstáculos ao normal funcionamento das entidades
gestoras dos sistemas em baixa, nomeadamente por via da faturação detalhada, embora não simplificada.
Com mais esta proposta de lei, o Governo dá sequência à tão ambicionada reestruturação dos subsetores
das águas e dos resíduos, nunca devidamente fundamentada, a qual assenta exclusivamente na
implementação de medidas conducentes à sua abertura ao setor privado, esquecendo de cuidar do conjunto
de situações de natureza estrutural, operacional, económico-financeira e ambiental dos subsetores das águas
e dos resíduos, nomeadamente as inúmeras parcerias existentes com as autarquias locais, insistindo quase
exclusivamente na criação de condições para uma maior participação do setor privado na prestação dos
serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, acautelando mesmo a sua posição
em detrimento de outras entidades.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Vou já terminar, Sr. Presidente.
Trata-se de uma iniciativa que em nada protege os consumidores portugueses e que prepara o novo
quadro legal para uma privatização a todo o custo destes serviços e bens públicos essenciais.