24 DE MAIO DE 2013
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Curiosamente, ou não, a segurança alimentar é um dos principais argumentos da Comissão Europeia para
a apresentação da proposta de regulamento. Nada mais hipócrita! Os escândalos alimentares que até hoje
conhecemos não foram gerados pelas realidades agrícolas tradicionais ou biológicas mas, sim, pelas práticas
industriais e pelo desejo de ganhar uma escala tal e uma dimensão tal que se inventam práticas de
manufaturação e de culturas sintéticas, sustentadas em químicos, pesticidas e fertilizantes, daquilo que afinal
se desejaria 100% natural. Quem tem ganho com tudo isto são as multinacionais do setor.
Entretanto, a fome no mundo continua, os pequenos agricultores têm sido espezinhados e os
consumidores, que o podem ser, ficam prejudicados.
Se esta proposta da «lei das sementes» fosse por diante, seria ilegalizada a reprodução, a conservação e a
utilização de sementes de múltiplas variedades agrícolas convencionais e não registadas. Importa também
aqui realçar que é a soberania alimentar que está em causa.
A Comissão Europeia, cedendo claramente aos interesses das multinacionais do setor agroalimentar,
predispõe-se a liquidar um património agrícola tradicional, um património natural diversíssimo, um património
cultural imensamente rico e um fator de sustentabilidade económica, que se sustenta não apenas na
agricultura mas também nos produtos e na sua diversidade de variedades regionais.
Sr.as
e Srs. Deputados, a produção agrícola não é um catálogo do tipo cardápio para uma refeição em
restaurante. A produção agrícola tradicional e de subsistência quer-se viva e livre na natureza e não
aprisionada aos interesses de multinacionais. Faz por isso todo o sentido que o Partido Ecologista «Os
Verdes» apresente, a breve prazo, na Assembleia da República, uma iniciativa legislativa que assegure o
direito de reproduzir, de semear e de trocar livremente sementes para cultivo.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, inscreveram-se, para lhe pedir
esclarecimentos, três Srs. Deputados.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado João Ramos, do PCP.
O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o assunto que nos trouxe
aqui, hoje, podendo parecer irrelevante, é de grande importância e seriedade, nomeadamente numa altura em
que têm vindo a lume uma série de notícias nada satisfatórias para a agricultura.
Basta ver as questões relacionadas com a fiscalidade, designadamente a obrigatoriedade de inscrição nas
finanças, e a possibilidade, colocada através deste estudo da OCDE, de se acabar com o gasóleo agrícola.
Todos esses contributos vão no sentido de atacar o mundo agrícola, e é nesse contexto que também vemos,
relativamente às sementes, a concentração da possibilidade de utilização das sementes como um aumento
claro dos custos com o fator de produção, obrigando os agricultores a entrar neste comércio das sementes
uma vez que não poderão utilizar as suas próprias sementes.
Através desta legislação do registo das sementes, a Comissão Europeia adquire poderes, nomeadamente,
no que respeita a autorizar ou a proibir espécies e a criar exceções à lei. Depois, estas competências podem
ser delegadas numa agência, que se denominará Agência Europeia para as Variedades Vegetais, que irá
sobrepor-se (esta agência que fará a gestão registo) às autoridades nacionais nesta matéria.
Na perspetiva da Sr.ª Deputada, estamos ou não a abrir a porta ao monopólio (a Sr.ª Deputada referiu-o na
Tribuna) e à privatização da vida ao entregar a uma multinacional, e elas são muito poucas, esta possibilidade
de gerir as sementes e os processos agrícolas?
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo, pelo que agradecia que
concluísse.
O Sr. João Ramos (PCP): — Vou já terminar, Sr. Presidente,
A outra questão que quero colocar-lhe prende-se com as dificuldades que tem, neste momento, o
laboratório nacional de investigação agrária e veterinária, que é detentor do Banco Português de
Germoplasma Vegetal, e que tem à sua guarda 92% do património genético vegetal para a alimentação.