I SÉRIE — NÚMERO 103
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A primeira declaração política de hoje é do Bloco de Esquerda e está já inscrita a Sr.ª Deputada Ana Drago.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Depois de dois anos de um Governo
PSD e CDS a dizer às famílias, que se endividaram para comprar a casa onde vivem, que estas tinham vivido
acima das suas possibilidades, descobrimos que, afinal, tinham sido os gestores que o próprio Governo tinha
escolhido para serem os governantes nestes tempos difíceis que claramente tinham gerido e vivido acima das
nossas possibilidades.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Aliás, a propósito dos contratos tóxicos assinados por algumas empresas
públicas, representando perdas potenciais superiores a 3000 milhões de euros, o Governo demitiu com
estrondo dois Secretários de Estado que tinham sido dirigentes destas empresas. Demitiu todos os
governantes envolvidos nesta história? Todos não. Há uma Secretária de Estado que resiste, continuando
sentada ao lado do Ministro Vítor Gaspar, que teve responsabilidades diretas nesta história e que não foi
demitida.
A forma como o Governo geriu todo este processo, do secretismo com os resultados da auditoria até ao
despedimento seletivo dos envolvidos, foi norteada por um único e exclusivo propósito: branquear o
envolvimento da Secretária de Estado Maria Luís Albuquerque, atual braço direito de Vítor Gaspar e anterior
responsável financeira da REFER.
Jogos de palavras sobre a natureza «tóxica» ou «exótica» dos contratos, documentos ocultados, contratos
que misteriosamente foram alterados à última hora, valeu tudo, nos últimos dois meses, para proteger uma
Secretária de Estado.
Comecemos, então, pelo início.
Quando o Governo tomou posse foi avisado, através de um despacho do Tesouro, que os contratos de
seguro de risco assumidos por algumas empresas públicas excediam em muito a proteção dos contratos de
empréstimo e tinham características tóxicas altamente especulativas.
As perdas para os cofres públicos ascendiam na altura, quando o Governo tomou posse, a 1400 milhões
de euros potenciais. Um ano e meio depois, e sem nada ter feito para travar a bola de neve que já estava em
andamento, já as perdas potenciais tinham duplicado, ascendiam a 3000 milhões de euros e os bancos
ameaçaram exigir o retorno. Foi então que o Governo meteu mãos à obra.
Um ano e meio de inação de Vítor Gaspar tornou-se muito rapidamente numa única e deliberada ação:
proteger a face do Governo, separar Maria Luís Albuquerque dos restantes gestores públicos com
responsabilidade nesta matéria, dois dos quais, na altura, ocupavam lugares no Governo.
Na verdade, a primeira diligência do Governo foi entregar a condução deste processo à própria Maria Luís
Albuquerque. Isto nem sequer é fazer da Sr.ª Secretária de Estado juíza em causa própria, é o mesmo que
entregar o julgamento a um dos arguidos.
Aplausos do BE.
E foi assim que a ex-gestora da REFER colocou dois organismos por si tutelados, a Inspeção-Geral das
Finanças e o IGCP, a avaliar a natureza dos contratos assinados, entre outros pela própria Secretária de
Estado.
Como o que começa torto tarde ou nunca se endireita, em fevereiro deste ano, Maria Luís Albuquerque
solicita à Inspeção-Geral das Finanças uma auditoria ao Metro de Lisboa, Metro do Porto, Carris, CP, STCP,
EGREP, mas não pediu nenhuma auditoria à REFER. A mesma REFER exatamente, recorde-se, cuja pasta
financeira tinha sido ocupada por Maria Luís Albuquerque.
O Governo tinha fundamentação jurídica (há um parecer de um escritório de advogados nesse sentido) e
técnica (no relatório do IGCP) para «obter a nulidade das transações via litigação em tribunais portugueses».
Havia espaço para o fazer, havia interesse público para o fazer, mais a mais quando se sabe que esse