I SÉRIE — NÚMERO 108
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Ao misturar graffiti com autocolantes, placards, posters e cartazes, o que o
Governo pretende é criar um quadro de perseguição a todas as formas de exercício da liberdade de
propaganda. Não se atrevendo para já a criminalizar a contestação política, o Governo fica-se — e não é
pouco — pela perseguição policial e pela aplicação de coimas.
A proposta do Governo cria um quadro propositadamente incerto quanto ao seu âmbito de aplicação,
introduzindo até. Sr. Ministro. um conceito jurídico tão sólido e claro como é o da conspurcação, mas,
sobretudo, permitindo que aqueles presidentes de câmara que já hoje se comportam como autênticos
tiranetes, limitando e impedindo o exercício da liberdade de propaganda, reforcem o seu comportamento
antidemocrático, ainda por cima com o incentivo de ficarem com uma percentagem das coimas aplicadas.
Sr. Ministro, sabemos bem o que isso significa, porque ainda temos fresca na memória a imagem dos 11
jovens da JCP (Juventude Comunista Portuguesa), detidos na semana passada no Porto, como se de
criminosos se tratassem, quando pintavam um mural de contestação ao Governo e de apelo à greve geral.
Essa é a verdadeira intenção desta proposta, isto é, perseguir e punir quem contesta o Governo e as suas
políticas.
A exclusão do âmbito de aplicação da lei das situações cobertas pela lei relativa à publicidade e
propaganda é apenas «para inglês ver». Aliás, se o Sr. Ministro continuar a ler a proposta de lei depois da
alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º vai perceber que assim é.
O que o Governo pretende com esta proposta é a possibilidade real de ter presidentes de câmara ou
dirigentes de empresas e serviços públicos a limitar direitos constitucionais que os portugueses conquistaram
com a liberdade em abril de 74. É esse património político que se impõe defender contra esta proposta do
Governo.
Mas esta proposta é também a única proposta possível de um Governo com conceções mesquinhas e
atrasadas relativamente à expressão livre da arte e da cultura, que apenas aceita e autoriza a arte e a cultura
que não contestem os seus propósitos políticos e ideológicos.
Trata-se de um Governo que, incapaz de compreender o verdadeiro grafitocomo forma de expressão
artística integrada num movimento cultural mais vasto e bem distinto de fenómenos de poluição visual, que
obviamente não merecem o nosso apoio, opta por perseguir e punir a expressão artística em vez de criar
condições para o seu livre exercício.
Incapaz de compreender e de conviver com expressões artísticas e culturais que não se enquadrem na sua
política de gosto ou assumam a crítica social como elemento matricial, o Governo considera vandalismo aquilo
que noutros países, como é o caso da Irlanda, Sr. Ministro, é objeto de valorização e classificação patrimonial.
Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados, a única mensagem que o Governo transmite com esta
proposta é uma mensagem de intolerância, censura, autoritarismo e repressão.
É, afinal de contas, o único produto possível de um Governo de desastre nacional cujo programa político
para Portugal é de subversão da Constituição, de ataque à democracia, de retrocesso social e cultural para um
povo inteiro.
Por isso mesmo, o povo inteiro deve mobilizar-se para exigir novas eleições e construir uma política
patriótica e de esquerda com um governo à altura de a executar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos
Peixoto.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado: Percebe-se bem o
desconforto que esta proposta causa à esquerda portuguesa, que aproveita qualquer oportunidade para pedir
a «cabeça» do Governo. Até um simples grafito, um gatafunho apócrifo ou uma sujidade colocada numa
parede é suficiente para a esquerda pedir a «cabeça» do Governo e para pedir eleições. Não faz o menor
sentido!