I SÉRIE — NÚMERO 22
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A circunstância de considerarmos muito relevante o papel que as políticas e os instrumentos de
ordenamento do território desempenharam nas últimas décadas na regulação da ocupação do solo e na
conciliação do bem-estar social, da proteção ambiental e da atividade económica, não dispensa um olhar
inconformista perante a destruição do litoral, o despovoamento do interior e a degradação da qualidade de
vida nas cidades.
É tempo de mudar. Termos muitos planos não foi, por si só, sinónimo de um adequado planeamento. Nisso
todos convergem, tanto os que consideram que o ordenamento do território tem sido um custo de contexto da
atividade económica como aqueles que lamentam a incompleta proteção dos recursos naturais e do nosso
património.
O facto de termos muitos planos — planos diretores municipais, planos de urbanismo, planos de pormenor,
REN, RAN, planos de albufeira, planos de área protegida, planos de orla costeira — que incidem e se
sobrepõem no mesmo território, que comunicam de forma ineficiente entre si e que se alteram demorada e
assincronamente, gera ineficácias e desigualdades que prejudicam a transparência e a competitividade e
contribui para a desconfiança e o afastamento dos cidadãos do processo de decisão.
Por outro lado, diversos anacronismos subsistem. Planos de ordenamento de municípios vizinhos, com a
mesma realidade socioeconómica e até com os mesmos ecossistemas e recursos traduzem modelos de
desenvolvimento económico e de gestão das infraestruturas desarticulados e incompatíveis.
Somos um dos países mais ricos em biodiversidade na União Europeia. Mais de 20% do território nacional
integra a Rede Natura, mas, no plano socioeconómico, as populações que vivem em áreas protegidas
continuam a não beneficiar plenamente da valorização dessa riqueza.
Somos 10 milhões de habitantes mas, nas últimas décadas, o modelo assente no paradigma da
espacialização e da expansão galopante, orientado por perspetivas de desenvolvimento económico que
seriam dificilmente concretizadas e traduzido pelo crescimento de um mercado especulativo e desligado das
necessidades reais dos solo urbano, desenhou territórios expectantes para 40 milhões de habitantes.
Basta olhar para as cidades e para as suas periferias para perceber que a incapacidade de conter a
dispersão da construção fora das áreas urbanas conduziu a um abandono progressivo dos centros das
cidades e das vilas e originou cidades extensas, com movimentos pendulares constantes, com os inerentes e
elevados custos, nomeadamente energéticos.
Recorde-se que Portugal apresenta uma inaceitável dependência energética do exterior de quase 80%, em
especial resultante do elevado consumo de combustíveis fósseis.
A questão é simples e devemos apresentá-la de um modo claro: não podemos viver no paradigma da
expansão urbana alimentada pelo crédito fácil e por espectativas ilusórias de valorização. Isso acabou. É
tempo de mudar, não porque a lei seja velha mas porque o modelo de desenvolvimento terá de ser novo.
Esta proposta de lei de bases, beneficiando de um trabalho de mais de quatro anos que atravessou vários
governos e que envolveu muitos académicos, peritos e associações, consolidando num único diploma o
enquadramento geral da política de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, oferece uma resposta
estrutural que visa gerir de forma integrada o território, promover a equidade e a coesão social e territorial,
assegurar a sustentabilidade económica e financeira dos processos de desenvolvimento urbano, gerar no
território condições de investimento e competitividade, requalificar a vida nas cidades, remunerar os serviços
dos ecossistemas, combater o despovoamento do interior e simplificar e agilizar as condições de realização
das operações urbanísticas.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Agora que enquadrei as razões que justificam a mudança,
permitam-me que destaque as nove principais inovações associadas a esta reforma estrutural.
Em primeiro lugar, esta lei de bases promove a clarificação do regime do solo. O solo passa a ser
classificado apenas em duas classes, solo rústico e solo urbano, sendo erradicada a classificação de solo
urbanizável.
Fica assim limitada a existência de terrenos expectantes, promovendo-se a contenção dos perímetros
urbanos e a reabilitação das cidades, gerando, consequentemente, ganhos de sustentabilidade energética e
ambiental.
A partir de agora, a classificação e a reclassificação do solo rústico em urbano terá de traduzir uma opção
de planeamento dependente da comprovação quantitativa e qualitativa da respetiva indispensabilidade e