1 DE MARÇO DE 2014
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6 — Desse modo, o nosso ordenamento jurídico, antecipando-se à Convenção de Istambul (Convenção do
Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica,
adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011), recentemente aprovada pela Assembleia da República e
ratificada pelo Presidente da República, já criminaliza as condutas intencionais naquela previstas.
7 — Uma vez que o combate a esta prática não se pode reduzir à criminalização já operada, em 2009 o
Governo de Portugal, seguindo os princípios de 10 organismos das Nações Unidas (2008), aprovou o I
Programa para a Eliminação da Mutilação Genital Feminina. Seguiram-se mais dois Programas, o último
recentemente aprovado pelo atual Governo, onde se tem inscrito o compromisso político para com a
prevenção e combate a esta prática nefasta da mutilação genital feminina.
8 — A estratégia que Portugal tem vindo a adotar neste domínio articula de forma estruturada as
intervenções ao nível da saúde, educação, justiça e cooperação e fez com que Portugal fosse considerado um
país de boas práticas no recente estudo promovido pelo EIGE (Instituto Europeu da Igualdade de Género), de
2012.
9 — Promover uma política de Tolerância Zero para com a MGF tem sido o caminho seguido, que passa
pela condenação e punição deste tipo de atos, mas também pela promoção de uma educação empoderada
para com as mulheres e pelo reforço do diálogo intercultural como estratégia fundamental.
10 — Consideramos ainda que, se as condenações de MGF não são muitas, ou são mesmo nenhumas,
não é seguramente por falta de legislação que as puna ou condene, mas por ser extremamente difícil
identificar os/as infratores/as e romper as barreiras do secretismo e simbolismo cultural e religioso em que este
crimes são praticados.
11 — A autonomização que os diplomas em apreciação propõem, salvaguardando todo o mérito das suas
intenções, no sentido da promoção de um combate eficaz a este fenómeno, podem incorrer em alguns
perigos, como os que já identificámos nas propostas do BE e CDS, quando se referem à prática destes atos
sobre as mulheres, deixando de fora as raparigas e as crianças, questões que obviamente poderão ser
acauteladas, como esperamos e proporemos, na discussão em especialidade.
12 — Acrescenta-se ainda que nenhuma proposta faz qualquer referência ao IV tipo de MGF já identificado
pela comunidade internacional (todas as outras intervenções nefastas sobre os órgão genitais femininos por
razões não médicas, como, por exemplo: punção/picar, perfuração, incisão/corte, escareação e cauterização
— Declaração Conjunta das Nações Unidas de 2008), correndo-se o risco de, ao especificar, deixar de fora
atos igualmente lesivos desta prática nefasta, algo que consideramos e proporemos que seja igualmente
acautelado no debate da especialidade.
Por fim, acrescentamos ainda que condenar é fundamental, tal como já está previsto no Código Penal, mas
não podemos esquecer que se trata de um crime praticado no quadro de uma manifestação cultural associada
à desvalorização do papel social das mulheres de todas as idades, sendo mais um dos mecanismos que
aprisiona as mulheres, não apenas ao nível da sua sexualidade mas, sobretudo, da sua identidade e
cidadania, pelo que um combate eficaz passa também pelo reforço das intervenções a promover a montante
de modo a que a cultura funcione como promoção e não como um obstáculo à concretização dos direitos
humanos.
O relatório do FNUAP (Fundo das Nações Unidas para a População), sobre população e desenvolvimento,
de 2008, Construindo Consensos: cultura, género e direitos humanos, aponta para a necessidade de reforço
do diálogo intercultural como forma de levar as pessoas, uma vez que a cultura não é estática mas dinâmica, a
mudar os seus comportamentos e a abandonar práticas nocivas.
Por último, cabe-nos alertar para o facto de que associar a imigração a este fenómeno, como o faz a
proposta do CDS-PP, bem como referir apenas uma das comunidades, a guineense, onde a excisão é
praticada, é redutor de uma análise mais compreensiva do diálogo intercultural e da procura de consensos
alargados para a promoção dos direitos humanos como as Nações Unidas e o FNUAP aconselham.
Os Deputados do PS, Elza Pais — Jorge Lacão — Isabel Alves Moreira — Pedro Delgado Alves — Sónia
Fertuzinhos — Catarina Marcelino — Luís Pita Ameixa — Isabel Oneto — Gabriela Canavilhas — Agostinho
Santa — Sandra Pontedeira — Acácio Pinto.
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