8 DE MARÇO DE 2014
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A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Saudamos a iniciativa do
Bloco de Esquerda que nos remete para um possível melhor enquadramento jurídico-penal dos crimes de
violação e coação sexual.
A força que se confere ao consentimento como elemento determinante da coação sexual ou da violação
recorda-nos, a contrario, sentenças vergonhosas. O tempo da coutada do macho ibérico não tem, no nosso
entendimento, acolhimento no Código Penal atual.
Aplausos do PS.
O Capítulo V do Código Penal, que começa com o crime de coação sexual, tem como significado e
significante constranger com lesão da liberdade: é o valor liberdade sexual que está tutelado, sem a mancha, à
laia de requisito, de decidir, ou de querer, ou de consentir.
Entendemos já estar hoje na lei que a vítima constrangida não tem de sofrer uma ameaça a que, por sua
vez, tenha de repelir pela força, mas nada impede o aperfeiçoamento do tipo legal.
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — A lógica que preside ao crime de violação é a mesma. Diríamos
apenas que a tentativa já cai no crime de coação sexual.
Quanto ao consentimento, se há graus de intensidade descritos no Código Penal no modo como se
constrange a vítima, para que haja violação basta que a pessoa seja colocada num estado que torne possível
a violação ou que a permita.
Se temos dúvidas quanto à técnica legislativa do projeto de lei em discussão, se temos dúvidas quanto ao
agravamento de penas no quadro geral em que a filosofia do nosso Código Penal arrisca evoluir, sem um
espírito sistemático-valorativo e sem um efeito repressivo, eventualmente, pretendido, também entendemos
que estas questões não devem travar a aprovação da iniciativa.
O ponto mais sensível é o da transformação do crime de violação em crime público. Não estamos a falar
dos crimes sexuais agravados pelo resultado (suicídio ou morte), ou de crimes praticados contra menores,
casos em que, ao bem liberdade sexual, se junta o bem vida e a tutela da menoridade, que já não dependem,
naturalmente, de queixa.
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — O Direito Penal, na linha da tutela da liberdade e autonomia individual,
tem de fazer um exercício dificílimo: o de balancear os fins das penas com o espaço de livre decisão
individual.
Por isso, decidiu que a violência doméstica, que pode ser sexual, não depende de queixa, porque a
estudada situação de dependência aponta para uma probabilidade forte de a liberdade da vítima, quanto ao
desencadear de procedimento criminal, estar altamente comprometida.
Já num crime de violação de pessoas adultas e sem situações de dependência, o PS inscreve-se na
tradição que recusa uma geral e abstrata substituição da vontade da vítima pela vontade do Estado. O passo
de negar a quem é vítima de um crime de violação qualquer tipo de juízo autónomo sobre os custos pessoais
e intimíssimos de se sujeitar à dor processual nas suas diferentes dimensões é um passo que merece muita
ponderação.
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Porque do que se trata é da retirada de espaço à própria ponderação
das vítimas de um crime que tem como uma das suas consequências o de, realmente, durar para sempre.
Aplausos do PS e da Deputada do CDS-PP Teresa Anjinho.