15 DE MAIO DE 2014
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considerada a gravidade da matéria, a sua importância e as implicações que do regime legal poderão advir
para os cidadãos.
Quanto à precisão constante do n.º 3 do artigo 15.º, afigura-se aos signatários que se tornava
indispensável fixar um critério objetivo que delimitasse com rigor e segurança a posse em nome próprio dos
particulares.
Ora, sem a fixação e delimitação dos termos enformadores deste critério, torna-se muito difícil, senão
mesmo praticamente impossível, provar que, antes das datas referidas no n.º 2 do citado artigo, os terrenos ou
construções se encontravam na posse de particulares.
O conceito «ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa»
também se afigura restrito em demasia, visto que, como é do domínio público, existem baldios cuja área
territorial se distende por mais do que uma circunscrição administrativa, sem prejuízo de prédios na titularidade
de particulares, compreendidos em áreas mais vastas dos que se encontra em certa «circunscrição
administrativa».
Outrossim, o conceito «facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente», além
de se mostrar de incerta delimitação conceitual, deixa também, na prática, sem proteção situações anteriores
à data em que as conservatórias e os «registos competentes» passaram a existir e as situações pré-existentes
à existência daqueles serviços.
A presunção aí consignada pressupõe que exista o documento, cuja inexistência justifica o funcionamento
da presunção e pressupõe a existência de um critério objetivo, não vislumbrável, que em função da prova
possível permita que a referida prova possa ser realizada.
Acresce que, nos termos da lei aprovada, o reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de
leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao
regime da prova estabelecido nos números anteriores. Torna-se possível que a dúvida irrompa: deverá o
reconhecimento ser obtido através de procedimento administrativo ou exigir-se-á, mesmo assim, a
interposição da ação judicial de reconhecimento.
Não se alcança o modo e termos em que o referido reconhecimento possa ser logrado. Por outro lado,
admitir que a ação de reconhecimento possa correr seus termos sem sujeição ao regime da prova legalmente
estabelecido afigura-se manifestamente inconsequente, senão mesmo absurdo. Não parece que em tais
situações o legislador e a teleologia subjacente à disciplina legal tivessem ou tenham em vista a instituição de
uma ação de declaração negativa.
Tem-se presente o elevado valor da ação, dado encontrarem-se em causa interesses imateriais, os
elevados montantes das custas judiciais, a profusão de procedimentos judiciais e as divergências doutrinárias
e jurisprudenciais que o regime poderá suscitar ou provocar, com a consequente incerteza e indesejável
insegurança jurídica, etc.
Não se desconsidera ainda o distinto regime legal para as margens — mas apenas para as margens — dos
cursos de água navegáveis ou flutuáveis (mas já não para os leitos dos cursos de águas), isto é, dos
«terrenos» que ocupem as margens dos cursos de água não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da
Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias.
Ademais, o regime legal ora consagrado acolhe uma distinção que no entender dos signatários não se
compatibiliza com o princípio geral de insusceptibilidade de aquisição do domínio público, que enforma o
regime regra objeto da alteração e o seu rigor probatório, e o regime previsto na alínea c) do n.º 5 do referido
artigo 15.º, que estabelece um regime especial de reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de
leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis, desde que tais parcelas estejam
integradas em zona urbana consolidada, como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da
Edificação, fora do risco de erosão ou de invasão do mar e se encontrem ocupados por construção anterior a
1951, documentalmente comprovado.
A especial disciplina normativa que foi encontrada para as zonas urbanas consolidadas exigia que, em
nome da equidade e da justiça, se encontrasse e consagrasse um regime equivalente para todos os que de
boa-fé tivessem adquirido por modo legítimo ou título justo imóveis até à mesma data, desde que tivesse
ocorrido reconhecimento direto ou indireto da propriedade por banda das instâncias públicas.
Admita-se, a título de exemplo, um imóvel que tenha sido objeto de partilha judicial, por forma sucessiva ou
não, desde o início do século XX e que pelo menos desde então se tenha mantido continuamente na