I SÉRIE — NÚMERO 89
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Quem ler com a mínima atenção o texto apresentado pelo PCP verificará que, para além dos habituais
lugares comuns de uma «vulgata» marxista conhecida, existe também uma contradição entre a defesa
acrisolada da Constituição e a proposta de violação ou, pelo menos, de revisão de um dos seus preceitos
politicamente mais relevantes.
Estamos, é bem de ver, muito para além de uma simples discordância com o Programa do Governo. Quero
reportar-me ao artigo 7.º, n.º 6, da Constituição, que se refere à construção e aprofundamento da União
Europeia, que é consignada como um objetivo a prosseguir pelo Estado português e que o PCP considera um
anátema e condena sem apelo nem agravo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Tal divergência profunda entre o PCP e os
partidos que apoiam o Governo revela uma enorme separação entre a conceção de vida do mundo económico
e social perfilhada por estes partidos e o coletivismo saudosista que ainda é mantido pelo PCP.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Leia o artigo todo!
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — A ideologia do PCP revela uma lente
deformadora da realidade que perturba o modo como esta é avaliada. A visão trágica que apresenta é negada
com veemência pela realidade a que assistimos. São hoje claros, e vão-se robustecendo, os sinais de
saneamento financeiro de uma melhoria da economia portuguesa: o incremento das exportações, o
investimento estrangeiro que desponta e o aumento do PIB em termos absolutos.
Há ainda, certamente, um caminho a percorrer, mas atingimos já o ponto de viragem. Acredito no
progressivo aumento do crescimento económico e da nossa autonomia de decisão. Também por esse motivo,
a proposta de censura do PCP deve ser rejeitada.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A singularidade da discussão e votação desta moção de censura
não fica por aqui. O Partido Socialista tem manifestado profunda hesitação quanto ao modo de votar esta
moção: uma parte do partido inclina-se no sentido de votar a favor, outra parte no sentido oposto.
Risos do PS.
Não quero cometer a deselegância de tentar apurar se a espantosa solidariedade com o PCP, de uma
fração do Partido Socialista, tem razões momentâneas de caráter interno. Não posso, porém, deixar de notar
que esta atitude de companheirismo é difícil de explicar face às razões apontadas por este último partido como
justificação da sua censura.
Na verdade, o voto favorável do PS à moção de censura, a dar-se, estará em profunda contradição com as
posições que sempre assumiu em relação à Europa, desde praticamente 1974 e que, no essencial, manteve,
mesmo quando em 2011 deixou de ser governo.
Basta, aliás, ler o texto da moção do PCP no que se reporta ao Programa de Assistência Económica e
Financeira e que apelida de «pacto de agressão», sublinhando ter sido o mesmo subscrito pelo PSD, pelo PS
e pelo CDS, para se entender o que quer dizer. O mesmo se diga, também, das referências feitas pelo PCP ao
tratado orçamental e à saída do euro.
Há, assim, que perguntar qual é a atitude que traduz a verdadeira opção do PS: a da escolha de um
caminho consentâneo com a continuação do aprofundamento da integração europeia, com eventuais
divergências, certamente, em relação aos programas do PSD e do CDS, ou a da rejeição liminar do euro, da
disciplina orçamental e, em última análise, das políticas comunitárias de integração. Manter-se-á coerente à
opção europeia ou seguirá as objurgatórias do PCP?
O PS procura salvar a coerência política, separando a motivação da moção de censura da sua parte
decisória. É uma aberração jurídica, mas do mal, o menos…
Em conclusão, esta moção de censura não representa um simples fenómeno marginal da vida política
quotidiana portuguesa, mas é uma ocasião para reafirmar valores fundamentais defendidos pelos que não se