14 DE JUNHO DE 2014
33
Portanto, se isso conforma o nosso devir e o nosso futuro próximo, creio que ele tem toda a centralidade no
debate político e nos apelos de cidadania.
Devo dizer o seguinte: é estranho debater um referendo acerca do tratado orçamental sem explicar o que
ele é, porquanto o que pretendemos é uma vinculação da Assembleia da República a um tratado que ainda
não foi ratificado, sendo que esse tratado, ou um igual a esse, já foi ratificado.
Portanto, quase que há aqui uma questão de Shakespeare de «ser ou não ser», porque o tratado
orçamental atualmente existente é um tratado intergovernamental, não é um tratado que pertença ao Direito
Comunitário. E ele tem um prazo de cinco anos, desde o momento em que foi consolidado, para vir a integrar
o Direito Comunitário e, portanto, terá de voltar aqui sob a forma de proposta de lei, do Governo.
Eventualmente, se o Governo português mantiver o seu apoio a esse iníquo e erradíssimo tratado do ponto de
vista do desenvolvimento social e económico do País, terá de voltar aqui, a este Hemiciclo, à Assembleia da
República, ao Parlamento nacional.
Nesse momento em concreto, voltar-se-á a colocar a questão da ratificação parlamentar ou da ratificação
por intermédio de referendo popular e nós queremos, desde já, abrir o debate e trazer para o campo da
necessidade de um sufrágio, de uma votação nacional, aquilo que possa vir a ser a legitimidade desse tratado,
então integrado no Direito Comunitário.
Desenvolvo esta matéria para que não haja opiniões apressadas acerca da constitucionalidade e outras —
aliás, não foram interpostas nenhumas opiniões contrárias no âmbito da Assembleia da República.
A proposta é absolutamente admissível, necessária e democrática e eu, hoje, queria recordar a todos os
partidos que inúmeras vezes disseram que defendiam referendos europeus que não se fez nenhum no nosso
País. Quando chegamos ao cúmulo de, em momento crucial para a nossa vida coletiva, ser contraposto,
sucessiva e sistematicamente, o tratado orçamental à Constituição da República, mais importante é, mais
forçoso é que se dê a voz ao soberano, e o soberano é o povo.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para apresentar o projeto de resolução n.º 1063/XII (3.ª), tem a
palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A assinatura, no dia 2 de março de 2012, do
tratado orçamental representa mais um passo na tentativa de adotar o neoliberalismo como política única e
oficial da União Europeia e constitui um sério atentado contra a soberania e independência nacionais, criando
um quadro de constrangimento à assunção, pelo povo português, de um projeto de desenvolvimento próprio,
autónomo e soberano.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Imposto em nome dos grandes interesses económicos e financeiros europeus, o
tratado orçamental revela a natureza e os objetivos da designada «construção europeia», direcionada e
concebida como um espaço de domínio dos grandes monopólios transnacionais, orientada para a
concentração de poder nas principais potências capitalistas da Europa e em instituições supranacionais
distantes do controlo dos povos.
Internamente, o tratado orçamental foi assumido pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, os mesmos partidos que
negociaram e subscreveram o pacto de agressão da troica. Ao longo dos últimos três anos, ao abrigo deste
pacto, foi executado a sangue-frio um verdadeiro programa de liquidação de direitos laborais e sociais, de
espoliação dos rendimentos dos trabalhadores e de desmantelamento das funções sociais do Estado.
As consequências para Portugal e para o povo português foram desastrosas: o País atravessou a mais
longa e profunda recessão da nossa história recente; foram destruídos quase meio milhão de postos de
trabalho; 600 000 portugueses foram lançados na pobreza; outros 200 000 foram forçados a emigrar; mais de
100 000 micro e pequenas empresas foram liquidadas; encerraram-se milhares de serviços públicos; a
qualidade dos cuidados de saúde e da escola pública degradou-se de forma acentuada.