I SÉRIE — NÚMERO 56
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É, portanto, a perceção direta que permite «a formação de um juízo insubstituível sobre a credibilidade da
prova» e que o regime de documentação da prova, agora já abrangendo praticamente toda a audiência de
julgamento, não consegue suprimir. E, sobre esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no
sentido de considerar que tal regime «visa, essencialmente, assegurar o duplo grau de jurisdição em matéria
de facto» e que «o mesmo consubstancia um instrumento auxiliar do tribunal na tarefa de fixação dos factos
provados e não provados. Porém, tal função auxiliar e coadjuvante do juiz não pode ser o mandato para
arredar princípios fundamentais na produção da prova como são a imediação e a oralidade».
Expressivo é também, quanto a esta questão, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-10-
20082, que considerou existir «uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em 1.ª instância e a
efetuada em tribunal de recurso com base nas transcrições dos depoimentos. A sensibilidade à forma como a
prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reações humanas e análise dos
comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter concretização através do
princípio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os
participantes, de modo a que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como
base da decisão».
O entendimento de que os princípios da imediação e da oralidade são estruturantes do processo penal de
estrutura acusatória está consolidado na doutrina e na jurisprudência. Com o que não se quer dizer que sejam
absolutos ou intocáveis. Tal como em relação ao princípio da plenitude da assistência dos juízes, também
aqueles princípios aceitam restrições3. Fundamental é que, na valoração global dos interesses em conflito, o
núcleo dos princípios estruturantes que expressam os comandos constitucionais não seja afetado. Razão pela
qual, na aferição da validade constitucional das soluções propostas, seja necessário o apelo aos demais
princípios que estão na base da construção do nosso modelo processual penal. Como o são, no caso em
análise, e desde logo, os princípios da livre apreciação da prova, do contraditório e da fundamentação dos
actos decisórios.
O princípio da livre apreciação da prova é, nas palavras de Germano Marques da Silva, «um método de
valoração da prova» ou «um meio de descoberta da verdade»4, exigindo a lei que o tribunal explicite na
sentença em que prova produzida ou examinada em audiência de julgamento formou a sua convicção para
considerar provado determinado facto que integra o objeto do processo.
A liberdade da convicção, como bem se refere num Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra5,
«aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos
acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e
portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana. A convicção assenta na verdade
prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas
também elementos racionalmente não explicáveis — como a intuição. Esta operação intelectual não é uma
mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na
verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com
a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis). Para a operação intelectual contribuem regras,
impostas por lei, como sejam as da experiência, a perceção da personalidade do depoente (impondo-se para
tal a mediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo). A lei
impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção como sejam: o princípio da
oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao
modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade prático-
jurídica e com o da liberdade de convicção — princípios estruturais; com efeito, só a partir da oralidade e
imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.» «[…] A
oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes
estejam fisicamente perante o Tribunal» (artigo 96.º do Código de Processo Penal) «permite ao Tribunal
2 Processo nº 3/07.4GAVGS.C2, de que foi relator Simões Raposo, disponível em www.dgsi.pt.
3 Como todos os demais princípios e direitos fundamentais, à luz do artigo 18º, nº 2, da Constituição.
4 Silva, Germano Marques da Silva, Produção e Valoração da Prova em Processo Penal, in Revista do CEJ nº 4, 1º
semestre de 2006, pp. 37-53. 5 Apud Acórdão do Tribunal Constitucional nº 116/2007.