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I SÉRIE — NÚMERO 56

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proporcionar, do modo mais eficaz, o exercício do direito de submeter a sentença à apreciação de uma

jurisdição superior pela via do recurso»10

. Neste sentido, aliás, já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no

seu acórdão n.º 680/99, que julgou inconstitucional «a norma do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo

Penal de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta

com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do

processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos

tribunais previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, bem como conjugada com a norma das alíneas b) e

c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo

32.º, também da Constituição».

A obrigatoriedade de fundamentação da sentença projeta-se em três planos complementares, todos

decorrentes de imposições constitucionais — num primeiro plano, o controlo da legalidade da decisão do juiz

(que vai além da aferição do processo de formação da convicção, v.g. o controlo sobre o recurso a meios de

prova proibidos — artigo 32.º, n.º 8, da Constituição); num segundo plano, garantir o direito de defesa através

de recurso para instância superior — artigo 32.º, n.º 1, da Constituição); num terceiro plano, a possibilidade de

os cidadãos conferirem o processo de formação da decisão penal, em audiência de julgamento pública, nos

termos do artigo 206.º da Constituição; ou seja, aferirem se foi feita ou não, no caso concreto, boa justiça.

Conforme refere Marques Ferreira, «de acordo com os princípios informadores do Estado de Direito

Democrático e no respeito pelo efetivo direito de defesa consagrado nos artigos 32.º, n.º 1, e 21.º da

Constituição, a fundamentação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao

tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz. E extraprocessualmente deve

assegurar, pelo conteúdo, um respeito efetivo pelo princípio da legalidade na sentença e na própria

independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos

processuais, mas a própria sociedade»11

.

A fundamentação das decisões judiciais por exigência constitucional, impondo que a motivação seja o

espelho do processo de formação da convicção do juiz gerado ao longo da audiência de julgamento e obtido

pela perceção pessoal e direta dos meios de prova ali produzidos — para que não nos afastemos do objeto da

presente declaração de voto — tem sido insistentemente reiterada pelo Tribunal Constitucional, de que se faz

eco a demais jurisprudência.

A motivação, nas expressivas palavras de Maria de Fátima Mata-Mouros, «confere um fundamento e uma

justificação específica à legitimidade do poder judicial e à validade das suas decisões, a qual não reside nem

no valor político do órgão judicial nem no valor intrínseco da justiça das suas decisões, mas na verdade que se

contém na decisão. Compreende-se, assim, que a fundamentação deva permitir ao leitor encontrar o percurso

intelectual que leva a essa específica decisão: ‘É necessário que uma decisão de justiça seja o reflexo do

litígio e do itinerário intelectual que conduz o juiz dos elementos do litígio à sua solução’ (Méthodologie

juridique, Jean-Louis Bergel, Puf -Thémis, p. 375)»12

.

É com as palavras desta autora que concluímos e justificamos o nosso sentido de voto: «A alma da decisão

judicial reside, com efeito, na convicção do julgador. O corpo, na definição dos factos. É a explicação da

convicção que, juntamente com o enquadramento jurídico explanado, vai conferir legitimidade à decisão». A

alma do julgador, a sua convicção, é, em termos de facto, intrínseca à natureza humana e, em termos de

direito, intransferível em obediência ao princípio da independência dos juízes. O corpo é unitário, não passível

de fragmentação, porque unitário é também o «pedaço de vida» submetido à valoração do julgador.

Por tudo o que supra se expôs, votámos contra esta proposta de lei.

A Deputada do PS, Isabel Oneto.

10

Manuel António Lopes Rocha, A Motivação da Sentença, 11

In Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal (CEJ). 12

Mata-Mouros, Maria de Fátima, «A Fundamentação da Decisão como Discurso Legitimador do Poder Judicial», Comunicação ao Congresso da Justiça – Dezembro de 2003, acessível em ww.crise-da-justica.com/A%20Fundamenta%C3%A7%C3%A3o%20da%20Decis%C3%A3o.htm.