I SÉRIE — NÚMERO 59
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Evidentemente que uma ou múltiplas iniciativas acerca de enriquecimento não declarado, injustificado,
outras medidas de combate à corrupção, medidas facilitadoras do acesso dos cidadãos ao sistema político, a
uma democracia participativa acentuada, tudo isto fará com que haja remédios para esses sintomas
gravíssimos, intervindo numa relação de forças diversa, também nas democracias liberais.
Mas não podemos ocultar, nem escamotear, o âmago do debate que hoje aqui travamos. Ou seja, na
perceção popular — e ela é iniludível — entende-se, e há motivos para isso, que agentes responsáveis do
Estado têm rendimentos e património absolutamente injustificados. E isso descredibiliza a prática da política,
concorre para agravar a crise da política.
E, nessas condições, há uma visualização rápida e generalizada de que os políticos, os responsáveis
políticos, aqueles que procuram representar os interesses num sistema democrático, são aqueles que acabam
por constituir uma coisa endogâmica, uma casta, como se diz hoje, e a democracia vai deslizando para a
oligarquia.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exatamente!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — E isso é especialmente criticável.
Podemos sempre ver o problema ao contrário. E ver o problema ao contrário é dizer: há aí umas
campanhas populistas contra a democracia, em que querem fazer dos políticos bodes expiatórios.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Também é verdade!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — E é verdade que essas campanhas existem. Agora, a verdade é que podemos
ver de um outro modo, provavelmente muito mais interessante e muito mais combativo, do ponto de vista da
defesa do regime democrático-constitucional.
Ou seja, a especial transparência dos políticos e dos altos responsáveis do Estado é exatamente aquilo
que permite mostrar que «quem não deve não teme» e que esses representantes são aqueles que estão em
condições de enfrentar todo o tipo de escrutínio público, todo o tipo de escrutínio dos cidadãos.
Ou seja, este tipo de regras, num período de doença das democracias liberais e de campanhas populistas
e reacionárias contra sistemas democráticos, é, afinal de contas, o teste de stress das democracias. Está aqui
o âmago do problema e está aqui a importância deste debate político, que transcende em muito uma, duas ou
três leis. Este é o debate dos tempos que vamos vivendo, o qual transcende as nossas fronteiras e está bem
alargado na Europa, como se poderá facilmente comprovar.
Sr.as
e Srs. Deputados, a ideia de que há um deslizamento para a oligarquia pondera-se e autoriza-se.
Então, enfrentemos, nos métodos democráticos, nas formas de vivificação do regime democrático, mas
também na especial transparência daqueles que são representantes políticos, agentes políticos e agentes do
Estado.
Dir-se-á, então: mas para combater o enriquecimento ilícito, o principal projeto de lei que o Bloco de
Esquerda apresentou — e esse é que é o sucessor do projeto falhado do enriquecimento ilícito — é o
enriquecimento não declarado. Portanto, é uma alteração profunda à lei do controlo de riqueza dos titulares de
cargos políticos. Esse é que é o nosso principal projeto.
Procuramos enfrentar as decisões do Tribunal Constitucional, aceitando-as de boa mente como
enriquecedoras daquilo que deve ser o nosso conjunto de apetrechos, de ferramentas para fortificar esta
defesa republicana.
Portanto, definimos um tipo legal de crime — o enriquecimento não declarado —, definimos um bem
jurídico a proteger — o especial dever de transparência dos titulares de cargos políticos e de altos
responsáveis do Estado — e entendemos que o crime se consuma pelo simples facto de cotejar aquilo que é o
património declarado com aquilo que seja o património em fruição por parte de alguns desses responsáveis. A
prova do crime consome-se na sua documentação.
O Ministério Público poderá atuar nessas circunstâncias. Não deixamos nenhuma prova diabólica ao
Ministério Público, não deixamos nenhum presente envenenado a quem quer que seja e atuamos nessa
medida.