I SÉRIE — NÚMERO 59
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O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Muito se falou, hoje, em
transparência, em combate à corrupção e em enriquecimento ilícito, injustificado, desproporcionado ou não
declarado.
Independentemente das diferenças de visão do mundo e das coisas que os proponentes de todos os
projetos que foram discutidos têm, todos estão imbuídos de um sentido meritório e salutar de melhorar o
funcionamento do sistema político e de retemperar a confiança dos portugueses e dos seus agentes políticos.
Contudo, este debate deve provocar, em todos nós, uma reflexão sobre algumas linhas de evolução que
devemos perspetivar para o nosso sistema político — esse será, talvez, o nosso maior repto.
Afinal, que mulheres e homens queremos nós como agentes políticos?
Deve, realmente, o sistema político ceder à tentação e evoluir mediante impulsos diretos e imediatos do
populismo mediático?
Como realizar o justo equilíbrio entre as exigências de transparência na vida pública e a refutação do
desenho ilusório de um político que a demagogia mediática quer necessariamente assético e
bacteriologicamente puro?
Como conciliar a existência de um sistema político que contenha os mecanismos institucionais capazes de
constranger os eventuais comportamentos abusivos com a ideia indispensável de que aqueles que escolhem
desempenhar cargos políticos não são, nem podem ser, cidadãos colocados, a priori e inevitavelmente, sob
suspeita pública e, por isso, fatalmente diminuídos na sua capacidade de exercício de direitos?
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — E isso, desde logo, porque estarão sujeitos a obrigações ativas e
passivas e a deveres de escrutínio pessoal que, com muita probabilidade, seriam considerados insuportáveis
para qualquer outro cidadão.
Nas últimas décadas, na generalidade das democracias ocidentais, muitas vezes à boleia de casos
bastante mediatizados de corrupção na política, foi-se progressivamente instalando, em parcelas da opinião
pública, uma visão depreciativa da política, sobretudo no que respeita à atividade parlamentar. Os políticos,
nessas análises aligeiradas, padeceriam de desonestidade endémica, de impreparação irremediável e de uma
vocação natural para a prática de malfeitorias variadas.
Em bom rigor, essa visão pejorativa não constitui uma novidade. Todas, mas todas, as degenerações
despóticas que o século passado conheceu iniciaram o seu percurso com o aviltamento sistemático das
lógicas de funcionamento das democracias e dos seus protagonistas, exacerbando os seus defeitos e
aproveitando as suas debilidades.
Exemplos clássicos, entre nós, podem ser encontrados na feroz campanha antiparlamentar que também
esteve na origem do 28 de maio de 1926 e do Estado Novo, que tanto gostava de se contrapor a si mesmo,
referindo-se à suposta «balbúrdia» da I República.
Hoje, um percurso similar parece estar a ser feito pelos populismos sem ideologia e pelas ideologias
meramente populistas, ambos matizados por generalizações sobre os políticos agora disponíveis em novas
embalagens digitais.
Saber como se devem defender as democracias contra aqueles que, servindo-se delas, as querem
derrubar, constitui um dos maiores desafios da nossa contemporaneidade. E tenho grandes inquietações
sobre se o melhor remédio para defender o Estado de direito democrático é o de ceder às pressões dos que,
conscientemente ou não, patrocinam o «Estado de não direito», na expressão de Gomes Canotilho.
Devemos todos perguntar se será lógico, democrático e eficaz assimilar a versão difusa, feita de sentenças
de café e da sabedoria insindicável dos títulos de tabloide, que costumam assegurar que só é possível
aperfeiçoar o sistema político impondo encargos e encolhendo direitos àqueles cujo primeiro dever é afirmar
os direitos de todos os outros.
Num aparente complexo de culpa, os agentes políticos democráticos, em toda a parte, têm vindo a
condescender com a demagogia populista. Só que esta — ninguém se iluda! — nunca desistirá de demonizar,
seja qual for o grau da transigência.
É evidente que, quanto maior é a responsabilidade de decisão, mais acrescidos deverão ser os deveres de
exame público dessa atividade — essa é uma condição essencial para a credibilização da política. Mas tal