I SÉRIE — NÚMERO 61
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Quando a lei deveria contribuir para qualificar (a tão propalada «competitividade»), esta contribui para
desqualificar e, por essa via, apontar ainda mais rapidamente para uma «destruição (supostamente) criativa»,
que é na verdade uma política de terra queimada.
Aliás, a verdade é que a situação atual no sector é já de uma integração de facto das maiores empresas
em grupos transnacionais, designadamente espanhóis, com a subcontratação a verificar-se habitualmente
entre as grandes empresas e o universo das micro, pequenas e médias empresas portuguesas.
Ora, com estas propostas de lei [em particular com a 226/XII (3.ª)], as MPME portuguesas são sacrificadas
à concorrência direta e desigual das MPME estrangeiras, que beneficiam de condições mais favoráveis não só
do ponto de vista técnico (como frequentemente se refere) mas desde logo no acesso ao financiamento,
custos mais baixos em diversos fatores de produção e várias outras vantagens competitivas, que são negadas
e retiradas às empresas portuguesas.
Isso mesmo é evidenciado na própria questão da língua oficial. O diploma referido revela uma atitude de
subserviência e abdicação da soberania nacional, patente em exemplos tão chocantes como a inacreditável e
inconstitucional «adoção» da língua inglesa como espécie de segunda língua oficial do nosso País para o
sector da construção, admitindo-se a entrega de uma declaração, certificado ou outro documento oficial e
obrigatório sempre em inglês.
Mais grave ainda, a redação aprovada para a proposta de lei n.º 226/XII (3.ª) significa que tais documentos
podem ser apresentados à nossa administração pública em qualquer língua (em árabe ou em japonês, por
exemplo), sendo que esta pode solicitar a sua tradução «quando tal se justifique em função da tecnicidade ou
complexidade dos mesmos». Seria caricato se não fosse tão grave.
Os dois diplomas visam substituir a interdisciplinaridade das diferentes especialidades pela polivalência
técnica, com o objetivo de proporcionar às empresas responder ao maior número de solicitações com o menor
efetivo de quadros técnicos especializados.
Os dois diplomas ilustram um desconhecimento profundo no que diz respeito às alterações verificadas nos
processos de projeto e de comunicação à obra, em particular com a generalização do uso de ferramentas
informáticas e as respetivas repercussões na direção e na fiscalização das obras de construção. E o mesmo
acontece no que diz respeito à realidade de um sector como o da construção civil, cuja crise o aproxima do
colapso.
Na Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República foi constituído e incumbido desta
discussão na especialidade um Grupo de Trabalho. Numerosas audições foram realizadas, numerosos
pareceres foram apresentados, desde as associações profissionais até às confederações do sector da
construção. Nem uma só entidade defendeu estas propostas de lei.
Estamos perante dois diplomas desastrosos do ponto de vista político, económico e até do ponto de vista
técnico.
Quando tanto se fala em legislar de forma clara e compreensível, a opção do Governo e da maioria é a de
aprovar diplomas de uma complexidade labiríntica, uma lamentável e aberrante confusão legislativa, que —
particularmente no caso da proposta de lei n.º 227/XII (3.ª), mas não só — se traduziu em enxertar uma
portaria numa lei da República, colocar as questões mais decisivas nos quadros anexos e remeter para
regulamentação posterior critérios chave que determinam o que esta lei será na prática.
É isso que acontece no caso da definição concreta das «classes de obra» e do valor a que correspondem:
tudo continua a ser deixado ao absoluto critério do Governo. Ou seja, a Assembleia da República é colocada a
aprovar uma Lei que estratifica o exercício de profissões em função do valor de uma obra sem se referir a
esse valor, deixando essa definição sempre para o Governo.
Com a proposta de lei n.º 226/XII (3.ª), a opção que se impunha era, pelos piores motivos, uma opção
simples. Perante a gravidade das opções que determina, a degradação que impõe e a política de terra
queimada que aponta, não há aproveitamento possível de tal documento, de tal modo que a generalidade das
entidades do sector, ouvidas na AR, convergiram na ideia de que seria preferível deixar a atual lei em vigor em
vez de aprovar esta proposta do Governo. Por isso mesmo o PCP não propôs alterações a este documento,
antes defendeu que ele fosse simplesmente arquivado.
Quanto à proposta de lei n.º 227/XII (3.ª), estávamos perante um texto e uma opção política de conteúdo
igualmente gravoso e injusto mas simultaneamente perante um processo legislativo iniciado, que permitia abrir
caminho a soluções e correções de problemas existentes no quadro legal em vigor. Por isso o PCP, não