I SÉRIE — NÚMERO 104
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destinadas à proteção de vítimas de crimes específicos, constitui um notável salto civilizacional, quer no
ordenamento jurídico comunitário quer no ordenamento jurídico nacional.
O diploma institui uma nova conformação e uma autónoma valorização da figura da vítima do crime, com o
inerente reconhecimento de um conjunto de direitos, concessão de apoios e medidas de proteção que
confluem no estatuto, agora reconhecido, de as vítimas do crime serem considerados e reconhecidas com
respeito e dignidade,dotadas de um complexo de direitos e garantias que lhes possibilitam o acesso à justiça,
que valoriza e individua as suas necessidades específicas, maxime no domínio da justiça restaurativa ou
repristinatória.
O Sr. José Magalhães (PS): — Isso não existe hoje!
O Sr. João Lobo (PSD): — Existirá com a lei, Sr. Deputado!
A nossa Constituição não reconhece ex professo um estatuto da vítima. No n.º 7 do artigo 32.º estabelece-
se tão-somente que «O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.».
O domínio material objeto da Diretiva remete-nos para um novo quadro normativo relativamente recente,
com acolhimento no Conselho da Europa, no plano da União Europeia e na sua Carta de Direitos
Fundamentais, um quadro normativo, complexo e replicante, que se encontra em evolução e em
aperfeiçoamento e que não dispensa, decerto, em distintos planos, o necessário contributo da União Europeia.
À justiça não se pede agora primacialmente a condenação do autor do crime; pede-se-lhe também, com
insistência crescente, que seja capaz de restabelecer a situação da vítima lesada.
Em suma: reclama um novo e autónomo estatuto e bem assim a adaptação das normas processuais
penais que conduzam a esse resultado, tudo sem ofensa dos direitos e garantias do arguido.
Mesmo nos ordenamentos jurídicos europeus de referência, como se acolhe na nota técnica, não se
encontram satisfeitos os níveis de proteção pedidos pelas fontes supranacionais, sendo a vítima considerada a
«grande esquecida da justiça».
O novo quadro normativo visa satisfazer necessidades diferenciadas de quem foi vítima de um crime, à luz
da sua autónoma e específica condição, e atender, nos distintos planos em que a vida social se revela, às
nefastas consequências que resultam para as pessoas que, direta ou indiretamente, sofreram danos
emergentes da prática de um crime.
Daí a necessária natureza complexa e heterogénea do estatuto, daí a sua plúrima sedimentação e daí
também a sua consideração autónoma.
No âmbito dos fins a prosseguir destaca-se, na proposta, o aditamento de um novo Título IV ao Livro I, da
primeira parte do Código de Processo Penal, com a epígrafe «Vítima», integrado pelo artigo 67.º-A, onde se
define o conceito de vítima, sendo que no dano se compreende, ainda que a título exemplificativo, lesão na
integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral ou um dano patrimonial diretamente causado por
ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime.
No conceito de vítima acolhem-se ainda os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente
causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência da morte de uma pessoa.
Define-se e consagra-se com uma nova dimensão o conceito de vítima especialmente vulnerável,
considerando-se criança, para este efeito, a pessoa com idade inferior a 18 anos de idade.
Considera-se que as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são
consideradas vítimas especialmente vulneráveis.
Consagra-se que assistem às vítimas os direitos de informação, de assistência, de proteção e de
participação ativa no processo penal, densificados no estatuto da vítima, integrado na presente proposta de lei
e, bem assim, atribui-se à vítima o direito de colaborar com as autoridades policiais e judiciárias competentes,
prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa
decisão da causa.
Concomitantemente, altera-se o Código de Processo Penal no sentido de conferir mais e importantes
direitos processuais à vítima: admite-se a sua intervenção como assistente no prazo para interposição do
recurso da sentença; garante-se a sua audição, ainda que não se tenha constituído assistente; a sua audição
quanto à revogação, alteração e extinção das medidas de coação; simplifica-se a forma da denúncia; garante-
se ao denunciante que não conheça ou domine a língua portuguesa o direito de aquela poder ser apresentada