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I SÉRIE — NÚMERO 108

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outros e disponível para fazer ouvir a sua palavra em defesa da tolerância, da proteção dos mais

necessitados, em particular das crianças, da igualdade de género e dos direitos humanos.

Maria Barroso, à frente de uma instituição de ensino, marcou indelevelmente gerações de alunos.

Na presidência da Cruz Vermelha Portuguesa contribuiu para o incremento dos valores humanitários e a

melhoria dos cuidados de saúde em Portugal e para o aprofundamento dos fatores de paz e desenvolvimento

em vários países de língua portuguesa.

Na presidência da Fundação Pro Dignitate continuou, sem desfalecer, empenhada na sua causa de sempre

contra todas as ameaças de violência e de opressão na sociedade.

Num mundo carecido de valores e de princípios, Maria Barroso testemunhou até ao fim a sua crença de

sempre nas pessoas e a sua fé religiosa com a simplicidade, a ternura e a dedicação que significativamente a

aproximou do Papa Francisco e das suas mensagens como representações do mundo e da necessidade de

reconstituição, a todos os níveis, da dignidade humana.

Sendo de todo impossível condensar num voto de pesar a riqueza da sua vida, o testemunho da sua ação,

o mérito da sua obra, a exemplaridade das suas causas, a Assembleia da República endereça ao Dr. Mário

Soares, aos seus filhos e netos, restante família e muitos amigos as suas mais sentidas condolências e

exprime perante a sociedade portuguesa o reconhecimento de que a sua morte não significará uma passagem

para o esquecimento porque Maria Barroso permanecerá viva na memória, no coração e na admiração dos

portugueses.»

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, permitam-me que, usando o privilégio de presidir a esta Assembleia,

deixe também um registo sobre a relação entre Maria Barroso e o próprio Parlamento.

Se hoje exercemos aqui a liberdade, devemos-lho também a ela. Devemos à sua capacidade de risco, à

sua dor, à sua persistência, à sua partilha com o quotidiano da democracia o facto de estarmos aqui a exercer

a nossa liberdade.

Gostava de enaltecer esse aspeto, porque foi esse aspeto que, fulcralmente, deu à vida de Maria Barroso o

sentido, aquilo por que nós podemos dizer que uma vida vale a pena.

Creio que foi Cícero que, um dia, disse que a atividade em que os homens mais se aproximam dos deuses

é a da fundação da cidade ou a da participação nela.

É essa valorização do exercício da política que hoje nos serve também de pretexto de uma espécie de

celebração do facto de ela ter pertencido à nossa comunidade e de, em boa verdade, continuar a pertencer.

Queria dizer-vos que penso que Maria Barroso sintetiza aquilo a que eu chamaria a fórmula de libertação

do mundo: a aposta na educação e na formação das pessoas, que exerceu através do Colégio Moderno, e

uma permanência insistente no exercício da política. O mundo só terá a sua libertação pelo poder irradiante e

criador que a política tem e pela formação e educação das pessoas, que são os seus protagonistas. Ninguém

como Maria Barroso sintetizou ou juntou os elementos desta dualidade de um modo tão perfeito, com tanta

excelência.

Se me permitem, queria também deixar-vos uma referência pessoal. O exercício da política traz-nos,

muitas vezes, um estado de incrível solidão. Como Presidente do Parlamento, durante estes quatro, anos vivi

alguns, e muitas vezes subi estas escadas reforçada pelo seu abraço e pelas suas palavras, quando nos

encontrávamos no meu gabinete.

Maria Barroso ensinou-nos que a solicitude, aquela virtude aristotélica que tem de estar sempre sempre

presente na política, é a chave da nossa capacidade para construirmos. É essa função demiúrgica que ela

teve como educadora e como política, já não tendo eu, por falta de tempo e por falta de capacidade das

palavras, de as referir a todas. Mas queria deixar este registo de que como ninguém como Maria Barroso,

repito, carregou na sua própria vida a chave da libertação do mundo: a educação e a política. E, nesse

sentido, ela fica-nos como exemplo, e é esse exemplo que, em jeito também de celebração e não apenas de

tristeza, nós, com o otimismo que nos caracteriza como agentes de transformação, temos de carregar.

Guardamo-lo, e de um modo que eu poderia dizer que bem deve fazer que o nosso orgulho se atreva a ter o

tamanho da nossa tristeza.

Não podia deixar de referir aqui esse aspeto, porque o que Maria Barroso nos deixa é essa impressão

exemplar de uma vida que vale a pena, uma vida que, porque vale a pena, é o único modo de nós desafiarmos

a morte. Como já dizia a Ilíada, é uma espécie de desafio e de vingança sobre a morte.