12 DE JANEIRO DE 2017
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a sociedade portuguesa, para Portugal e para a Europa, e também para o espaço da lusofonia. Só os incautos
ou os muito desatentos podem desdenhar a importância que teve esta rede e a credibilidade do Dr. Mário Soares
nos momentos mais relevantes das suas intervenções e nos momentos mais relevantes daquela que foi a nossa
História das últimas décadas.
Mário Soares respeitou e, por isso, foi respeitado em todo o mundo, por pessoas, por países, por instituições.
E, com ele, também foi respeitado Portugal, o nosso País.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, termino com uma palavra mais pessoal.
Ao olhar para este homem e para as suas lutas, ao olhar para aqueles que, no seu partido, mas também nos
outros partidos, arquitetaram o nosso regime e não se inibiram de intervir na cena internacional, ao constatar
que, desde o 25 de Abril, o País viu aparecer, igualmente, outras figuras políticas marcantes, pode gostar-se
mais ou menos das pessoas, pode gostar-se mais ou menos das políticas e dos projetos políticos, mas dou
comigo a perguntar-me: que outro país da nossa dimensão, com uma democracia tão jovem, fez já eleger, por
exemplo, um presidente da Comissão Europeia durante 10 anos e, mais recentemente, um Secretário-Geral das
Nações Unidas? Vejam bem, em 40 anos, quantos grandes políticos passaram por todas estas bancadas?
Quantos foram referência, nas suas famílias políticas, a nível europeu e internacional?
Ao olhar para Mário Soares e para o seu percurso extraordinário, para a sua coragem e para o seu arrojo,
ao olhar para tudo isso e ao agradecer-lhe por poder estar aqui hoje, apetece-me, à sua maneira, dizer algo
polémico, polémico mas verdadeiramente sentido: no Portugal de Mário Soares há nobreza na política e há
políticos de excelência em todos os quadrantes partidários. Política grande e políticos grandes são o tributo que
Mário Soares merece. A nossa obrigação é fazê-lo e também transmiti-lo aos que vierem a seguir a nós.
Quero terminar, endereçando um caloroso abraço democrático ao Partido Socialista e à família do Dr. Mário
Soares, em particular ao meu estimado amigo João Soares.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do PAN.
O Sr. Presidente: — A última intervenção, antes de passarmos à votação do voto de pesar pelo falecimento
de Mário Soares, é a do Sr. Deputado Carlos César, em nome do Partido Socialista.
O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs.
Membros do Governo, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Esta quarta-feira, 11 de janeiro de 2017, é o terceiro
e último dia de luto nacional pelo falecimento de Mário Soares.
Esta sessão especial da Assembleia da República, dedicada à sua memória, é, porém, a celebração da sua
vida e da sua dedicação patriótica ao nosso País — de uma vida longa e plena, no tempo e no modo.
Uma vida que começou um ano e meio antes da queda da I República e do ascenso da ditadura militar e
subsequente ditadura nacional, que se consolidaria no Estado Novo, até 25 de Abril de 1974, data fundadora da
II República — como Mário Soares sempre a designou, contrariando o insidioso revisionismo histórico.
Quer isto dizer que Mário Soares viveu até aos primeiros 49 anos da sua vida sem conhecer, no seu País, o
respeito pelos direitos, liberdades e garantias, públicas e individuais.
Quer isto dizer que viveu a sua infância e juventude sob o signo da perseguição permanente ao seu pai, o
pedagogo distinto que foi o Dr. João Soares.
Quer isto dizer que, sendo quem era, desde que chegou à idade da razão, aos 17 anos, não deu tréguas à
opressão durante os 32 anos seguintes.
Quer isto dizer que o fez, partilhando com a sua mulher, Maria de Jesus, e com os seus filhos, Isabel e João,
antes e depois de 1974, os entusiasmos mais íntimos e os sofrimentos mais angustiantes dessas lutas.
Tudo isto quer dizer que sem o Mário Soares antifascista — e sem o seu horror dos justos pelo Estado policial
— não teríamos o Mário Soares que viria a ser o maior agente da consolidação da nossa «democracia política
representativa clássica», para usar a expressão de José Medeiros Ferreira — a democracia que a todos nos
reúne nesta Casa e que nos obriga ao respeito mútuo, à tolerância e à fidelidade aos nossos princípios.
Mário Soares começou, pois, cedo a sua resistência. Em razão da eficiência do combate antifascista, entrou
para o Partido Comunista Português, como o fizeram tantos outros a quem tanto devemos. Acompanhado e
acompanhando aqueles a quem a autonomia da ação e do juízo políticos não dispensavam um livre arbítrio não
consentâneo com a férrea disciplina partidária, abandonou essa filiação.