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I SÉRIE — NÚMERO 36

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E chegamos ao âmago da persona política de Mário Soares.

Mais do que o mero herdeiro de um republicanismo mais liberal ou mais social, mais ou menos conspirativo,

Mário Soares foi um intérprete privilegiado da necessidade da autonomia de juízo necessária ao líder político.

Autonomia pessoal — passe a tautologia — é, pois, a palavra-chave da sua ação política, tanto na resistência

como na vida democrática.

Mário Soares cedo se foi apercebendo que a eficiência do combate ao Estado policial parafascista português

requeria uma exigente plasticidade na luta política. A experiência internacional que foi ganhando confirmou-lhe

que, na hora da chegada da democracia, ela só seria sustentável num contexto de entrosamento e compromisso

de Portugal com a Europa das democracias liberais e dos Estados sociais de direito.

Foi com esse espírito, e nesse contexto, que Mário Soares pugnou pela constituição do Partido Socialista.

Há aqui uma constante da nossa História, quase desde aquela «primeira tarde portuguesa» que ocorreu em

1139, em São Mamede. Como disse, com elegante beleza, Fernando Morán, o chefe da diplomacia espanhola

no primeiro Governo de Felipe González, a construção de Portugal é «como a de uma catedral, que se sustenta

nos seus arcobotantes». A Europa das Comunidades seria um dos assentamentos desses arcobotantes,

sustentáculo estratégico da nossa velha pátria e da nossa jovem democracia. Por conseguinte, «A Europa

connosco»!

Portugal, Estado europeu. Sim! Portugal, Estado atlântico. Claro! Assim no-lo dita a nossa geografia e a

nossa História.

Nada mais natural, por consequência, do que assentarmos, por igual, a nossa especificidade europeia no

arcobotante da atlanticidade.

Tudo isto se foi exercitando na propositura política e na governação de Mário Soares. Tudo isto se foi

exercitando com a execução brilhante e inspiradora dos seus Ministros dos Negócios Estrangeiros, de Medeiros

Ferreira a Jaime Gama — ambos açorianos, ambos europeus do Atlântico.

Não houve tempo, nem chegara o tempo, para a formalização de uma organização que reunisse «o Mundo

que os portugueses criaram», durante os mandatos de Mário Soares como Primeiro-Ministro e como Presidente

da República. Mas foi durante o seu IX Governo Constitucional que, num discurso na cidade da Praia, em Cabo

Verde, o então seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, em 1984, proporia a constituição e o

desenho institucional, hoje vigente, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Doze anos depois,

a CPLP materializou-se. Estava lançado o arcobotante da lusofonia. Foi durante o XIII Governo, presidido por

António Guterres.

Portugal é um País sem o qual o mundo não seria igual. Devemos a Mário Soares a lembrança insistente,

constante da nossa vocação e da nossa projeção universal. Por isso, ele percorreu o mundo, como nosso

procurador, ajudando ao nosso reconhecimento. Não me recordo de alguma vez ter ouvido Mário Soares definir

Portugal como um País pequeno. E Portugal é, na realidade, um País de escala mediana no concerto mundial.

Mário Soares nunca pertenceu à categoria dos dirigentes portugueses que diminuem o nosso País no concerto

das nações para justificarem a mediocridade da sua própria ação e ambição e dos seus resultados.

Sr. Presidente da Assembleia da República, V. Ex.ª disse, numa frase feliz, que Mário Soares, mais do que

o militante n.º 1 do PS, foi o militante n.º 1 da democracia portuguesa. É verdade, como Presidente do PS, isso

orgulha-me!

Mário Soares não foi só o homem que lutou pela democracia no tempo daquilo que foi, literalmente, o nosso

ancien régime, no sentido histórico da expressão, e que por ela batalhou, dentro e fora de portas, no tempo difícil

da formação da II República. Foi, porfiadamente, um lutador pelo seu aprofundamento, nas suas dimensões

económica, social e cultural.

Dirijo uma palavra final à sua família, aqui presente, em especial à Isabel e ao João, e também a muitos dos

seus amigos, colaboradores e admiradores, também entre nós. Partilhamos a sua dor e a sua saudade.

Mário Soares desafiou as regras do Príncipe na política: foi perfeito e imperfeito, foi ousado e cometeu

imprudências, apostou e ganhou, apostou e perdeu, foi fraterno e foi difícil. Nunca foi, porém, desinteressante

e, muito menos, irrelevante. Nunca faltou ao seu País. Era cosmopolita, foi sempre universalista, foi sempre, por

conseguinte, um grande português!

Viva Mário Soares. Viva o Presidente Mário Soares!

Aplausos do PS, de pé, do PAN e de Deputados do PSD, do BE e do CDS-PP.