I SÉRIE — NÚMERO 56
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Cristina Roldão é uma investigadora do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa — que, recentemente,
divulgou um estudo que nos diz que 78% dos alunos dos PALOP (países africanos de língua oficial portuguesa)
em Portugal estão nas vias profissionalizantes. É isto a escola de qualidade? É isto a escola exigente?
«Nem todos podem ser doutores», diria Nuno Crato, ignorando que a escola pública existe para que cada
um escolha o que quer ser e que, independentemente dessa escolha, o conhecimento não é um privilégio de
alguns, mas um direito de todos como instrumento de emancipação.
Aplausos do BE.
O discurso da exigência e o discurso da qualidade foram um embuste. Transformar a escola num centro de
preparação para exames é o caminho mais fácil, mais barato e mais pobre, é o caminho que leva ao
despedimento de professores, à precariedade dos funcionários e à degradação das condições físicas das
escolas.
Esta maioria travou esse caminho. Com a queda do Governo da direita, caiu também o seu Programa e a
insistência no cheque-ensino, que não era mais do que uma via rápida para a privatização da educação em
Portugal. Quando se comprometeu com a valorização da escola pública, esta maioria comprometeu-se com o
mais difícil. A tarefa mais difícil de uma escola é levar cada aluno ao máximo das suas possibilidades e avaliá-
lo não pela sua capacidade de ser igual aos outros, mas pela sua capacidade de se superar a si próprio e de
superar o seu contexto. Uma escola exigente é aquela que, respeitando a diferença, supera as desigualdades.
Por isso, a oportunidade está aqui. A questão está em saber se, desassombrados do passado, somos
capazes de assumir aquilo que queremos para a escola do futuro. Para isso, é preciso um consenso, é preciso
o consenso de mais investimento público na educação e ninguém pode ficar orgulhoso de um défice «para
Bruxelas ver», que é conseguido à custa da escola pública.
A escola que queremos não tem professores nómadas, não tem psicólogos precários, não tem falta de
assistentes operacionais, injustamente mal pagos. Uma escola de qualidade não é compatível com aulas em
contentores nem com salas de aula onde chove. Uma escola exigente é mais do que uma versão refinada do
saber ler e contar dos outros tempos. Um currículo amputado é o primeiro passo para uma sociedade
intelectualmente pobre. A Matemática tem argumentos, a Biologia disputa-se, a História tem versões. A escola
pública tem de ter qualidade científica, mas se não promover o espírito crítico, é o conhecimento que fica a
perder.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Durante demasiados anos, sucessivos governos esqueceram que a
consciência democrática ou é construída na escola ou pode não ser mais construída. A escola tem de ser
democrática, tem de reconhecer e valorizar a autonomia pedagógica dos professores, tem de promover a
participação dos alunos, tem de tornar os alunos coprodutores da sua educação não só académica, mas também
cívica. Numa escola de qualidade, não há espaço para falta de transparência, não há espaço para submissão,
não há espaço para centralismo burocrático, não há espaço para cargos por inerência, nem para poderes que
se eternizam.
O Bloco vai apresentar um projeto sobre a gestão democrática das escolas e espera abertura do Parlamento
para esse debate. A qualidade democrática das escolas dirá muito sobre a qualidade da democracia no nosso
futuro.
Sr.as e Srs. Deputados, a escola pública já foi submetida a demasiados sacrifícios e a demasiados ataques,
mas não falta nas escolas públicas quem tenha resistido a esses ataques e esteja agora na expectativa de uma
mudança. Se é debate que é preciso, façamo-lo sem medos, mas não deixemos escapar…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o seu tempo. A partir de agora, o tempo que gastar será
descontado na primeira ronda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.