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26 DE ABRIL DE 2017

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O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Tem a palavra, em representação do Grupo Parlamentar

do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,

Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro e demais

Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Nasci no Serviço Nacional de Saúde, estudei na escola pública, mas não pertenço a uma geração ingrata. A

Grândola também nos bate no peito à desfilada e, por isso, obrigada Capitães, obrigada a quem não se calou,

obrigada a quem resistiu até ao último sopro do seu corpo, obrigada a quem desertou para não ser cúmplice, a

quem viveu nos subterrâneos do medo. Obrigada a todas e a todos os combatentes desse amor inventado

chamado liberdade.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

Todas as gerações têm os seus monstros. As gerações que viveram antes de mim nasceram e cresceram

no longo inverno do fascismo e da guerra, num regime que lhes marcava o destino do berço até à morte, sem

educação, nem saúde, nem a sorte das elites para quem estavam reservados os privilégios a que hoje

chamamos direitos. Para a maioria, o trabalho era outro tipo de prisão, o analfabetismo era a maior algema e o

patrão a pior polícia. Não foi só em Caxias que se ergueram grades.

Vergílio Ferreira escreveria, sobre as fronteiras da opressão: «Que a fronteira da tua liberdade te não seja a

porta da casa para que tu sejas livre dentro e fora dela. Que a tua liberdade comece no pão que te espera à

mesa e persista no desconhecido que te espera na rua. Que a distância de ti a ti seja por ti preenchida e nunca

pela polícia ou um diretor de consciência. Tu és livre. É, portanto, do teu dever libertares-te».

Sim, tenho orgulho de pertencer a uma geração que luta em liberdade. Tivesse isso chegado para não nos

mandarem emigrar; tivesse isso chegado para não nos sacrificarem o futuro no altar da austeridade; tivesse isso

chegado para não nos falharem a promessa de solidariedade numa Europa que afinal nos quer submissos.

Tentaram embalar a força transformadora da minha geração num conto sobre o fim da História. Deram-nos

um cravo para carregar ao peito uma vez por ano e disseram-nos que lutar pela liberdade era celebrar essa

História. Arrumaram os problemas do mundo numa virtuosa aliança entre a democracia e os mercados, mas

eles repelem-se. O muro também lhes caiu em cima e a História, longe de estar acabada, agora rebenta-nos

nas mãos. Em Alepo, onde decapitaram até a esperança; no cemitério em que se transformou o Mediterrâneo;

nos muros de arame farpado à volta dos campos que nos prometeram que não voltariam a existir; no crescimento

cada vez menos surdo da extrema-direita e da guerra.

Cada geração tem os seus monstros e os nossos aparecem todos os dias na televisão, quando chamam

«mãe» a uma bomba feita para matar os filhos de alguém porque já esqueceram a Rosa de Hiroshima;…

Aplausos do BE e do PS.

… quando a União Europeia determina que a deportação de refugiados é apenas uma questão de pagar o

preço certo à Turquia; quando movimentos reacionários e ultranacionalistas avançam na Europa, alimentando-

se dos destroços da austeridade que foi imposta aos povos.

Há 20 anos, Eric Hobsbawm receava que a xenofobia viesse a transformar-se na grande ideologia de massas

dos nossos tempos; que a rejeição do outro, a negação daquilo que a humanidade tem em comum fosse o bode

expiatório dos falhanços da sociedade. Olhando hoje para a Europa, quem pode não reconhecer, quem pode

não querer ver que houve um projeto que falhou? Falhou porque submeteu a democracia aos mercados

financeiros, falhou porque perdeu contacto com os direitos sociais e económicos dos povos, falhou porque

espalhou a pobreza e o desemprego, porque quis rasgar a Constituição. Falhou-nos porque entregou ou

privatizou o que era da nossa soberania e, portanto, da nossa liberdade.

O medo converteu-se no maior aliado de um projeto político conservador que domina a Europa. Demasiado

distante das aspirações dos povos para poder mobilizar as suas vontades, o poder centrista procura ocupar

cada espaço da nossa livre decisão com os seus burocratas, sanções e imposições. Perigo é a austeridade que