I SÉRIE — NÚMERO 21
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De facto, esta proposta de lei de autorização legislativa tem a sua base numa imposição constitucional, que
o Sr. Secretário de Estado aqui referiu. Trata-se de matéria sancionatória, nos termos do artigo 165.º da
Constituição em matéria de reserva relativa desta Assembleia,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — … e, portanto, nesse ponto concreto, na descriminalização que se pretende,
tem de ser, de facto, a Assembleia a autorizar o Governo a incorporar esta matéria num decreto-lei autorizado,
sendo essa a razão de fazermos este debate.
O que o Governo nos propõe é que uma determinada conduta deixe de ser um ilícito criminal, deixe de ser
considerado um crime de usurpação para passar a obedecer a um regime contraordenacional, a uma infração
de natureza diversa.
Diria que esta descriminalização se justifica por duas razões: uma, de princípio, e, outra, prática.
A razão de princípio tem que ver com a própria razão de ser do direito penal. Como se sabe, o direito penal
é um direito de última intervenção, é uma última ratio e, portanto, o direito penal só deve intervir e uma conduta
só deve ser criminalizada — dado que é a forma mais grave de sancionamento de um ilícito social —, quando
se verifica que não há outra solução que não seja a de fazer intervir o direito através da criminalização.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, tem de ser uma conduta sobre a qual exista um juízo de censura
ético suficientemente grave para que seja considerada ilícito criminal. Ora, manifestamente, não parece ser o
caso. Esta é a razão de princípio.
A razão prática diz respeito ao facto de se verificar, por vezes, que a criminalização não é a forma mais
adequada de poder prevenir ou sancionar uma conduta e que é preferível um bom regime contraordenacional,
que tenha condições para funcionar, a um regime de criminalização, que acaba até por desprestigiar o direito
penal e revelar-se mais ineficaz.
Portanto, quer por razões de princípio, quer por razões de razoabilidade, entendemos que faz todo o sentido
que a passagem de música num local público sem autorização continue a ser uma infração, não de natureza
criminal, mas de natureza contraordenacional e, por conseguinte, expressamos a nossa concordância em
relação a esta proposta de lei.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Campos.
O Sr. Jorge Campos (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados:
Na verdade, não deixa de ser um pouco surpreendente esta preocupação do PSD em relação à vida dos artistas.
Em todo o caso, gostaria de saudar a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa, justamente porque acaba por
reconhecer que os artistas têm direitos e têm necessidade de ver os seus direitos acautelados.
Fazendo uma intervenção mais genérica, para situar e contextualizar um pouco esta questão, diria que nos
últimos anos se têm multiplicado as iniciativas que procuram dar resposta à crescente complexidade da questão
dos direitos de autor e dos direitos conexos.
Essa complexidade resulta, em larga medida, da evolução vertiginosa das tecnologias da informação e da
comunicação, designadamente no âmbito do digital, configurando sociedades em mutação permanente, bem
como a necessidade ininterrupta de aquisição de novas literacias.
Este quadro é estimulante, certamente, mas também contraditório. A possibilidade de acesso praticamente
ilimitado à educação e à cultura coabita com essa outra possibilidade da utilização abusiva da internet e dos
meios digitais, com efeitos nocivos sobre os direitos pessoais e patrimoniais dos autores.
Assim sendo, parece-nos indispensável ponderar o equilíbrio entre os diferentes direitos.
É nesse contexto que a Comissão Europeia tem produzido diretivas, posteriormente escrutinadas e
eventualmente adaptadas às realidades nacionais, sendo nessa linha que se inscreve este pedido de