27 DE JANEIRO DE 2018
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A solução proposta não é descabida, na medida em que não faz uma criminalização autónoma, mas utiliza
tipos criminais já existentes, criando uma agravação para a utilização da internet para esse efeito. Obviamente,
em sede de especialidade, convém — e temos considerado obrigatório — ouvir as entidades que se têm
pronunciado e se devem pronunciar sobre as alterações ao Código Penal, designadamente os Conselhos
Superiores da Magistratura e do Ministério Público e a Ordem dos Advogados. Estamos certos de que este é
um caminho que faz sentido e, portanto, acolhemos favoravelmente esta iniciativa legislativa.
Já não podemos dizer o mesmo relativamente ao projeto de resolução que o CDS apresenta. Desde logo, a
matéria é outra, ou seja, uma coisa é a violação da privacidade, utilizando para isso a internet, outra coisa é a
cibersegurança e o cyberbullying, que são matérias diferentes. Obviamente, a cibersegurança e o cyberbullying
são questões que também nos preocupam e que são suscetíveis de justificar reflexão e, até, medidas
legislativas, se for esse o caso, mas este projeto de resolução do CDS parece uma espécie de concurso de
ideias à volta do tema.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E isso é mau?!
O Sr. António Filipe (PCP): — De facto, o CDS recomenda ao Governo que crie vários programas nacionais,
que apresente vários relatórios, que crie mais dois grupos de trabalho, mas aquilo que consideramos mais
complicado é que não só prevê que uma entidade policial tenha funções que, efetivamente, não lhe devem ser
incumbidas, designadamente a de dar aulas, mas também — o que é mais grave — prevê a possibilidade de
uma autoridade administrativa bloquear sites da internet. Isso é que entendemos que não pode ser, ou seja, o
bloqueamento de sites da internet não pode ser por uma decisão administrativa, tem de ser por uma decisão
que, obviamente, tem de ter um controlo jurisdicional.
Portanto, sem prejuízo de considerarmos que faz sentido a adoção de medidas legislativas que possam
conduzir a esse efeito, isso não pode ser feito como está previsto neste projeto, que recomenda ao Governo,
entre outras medidas, que atribua a uma entidade policial de natureza administrativa a possibilidade de bloquear
sites da internet, ouvidos os organismos responsáveis dos Ministérios da Justiça e da Educação — que nem
sequer sabemos quais são.
Estas questões devem ser colocadas, mas não podem ser colocadas de ânimo leve, têm de ser,
efetivamente, ponderadas. Quanto a este projeto de resolução do CDS, apesar de ter propósitos estimáveis —
aliás, podemos subscrever praticamente tudo o que está no seu preâmbulo —, tem uma concretização que,
efetivamente, não nos parece ser aceitável.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de
Esquerda, para uma intervenção.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A atuação preventiva e punitiva
na área das violências em espaço doméstico merece ser cada vez mais tenaz e ampla e os casos com que nos
temos deparado ao longo do tempo, e ainda ontem nos deparámos com um caso, mostram que assim é.
Estamos a falar, na verdade, de violências no plural, porque não se trata apenas da violência física, bruta,
abjeta, trata-se também de todas as formas de violência psicológica que fazem perigar o princípio fundamental
da autodeterminação de cada uma e de cada um no seu espaço mais íntimo, no seu espaço mais privado.
As práticas de chantagem através da humilhação pública, traduzida na exibição via internet de imagens da
vida privada, sem consentimento, para esse efeito, da pessoa visada, devem merecer, realmente, um tratamento
que corresponda à censura que sobre essas práticas se abate — e bem! — na nossa sociedade. Por isso
mesmo, acompanhamos o projeto de lei do Partido Socialista, na exata medida em que vai no sentido de
criminalizar este tipo de comportamentos de uma forma agravada.
Para nós, a reserva da vida privada é um bem constitucional tão fundamental quanto ele está ameaçado.
Nesse sentido, a disponibilidade hoje registada neste quadro parlamentar para vulnerabilizar o princípio da
reserva da vida privada fora dos quadros do Estado de direito merece-nos viva preocupação e a aprovação