I SÉRIE — NÚMERO 42
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Este projeto de lei, para além de questões de aperfeiçoamento jurídico de que trataremos na especialidade,
obriga-nos a pensar em quem somos, como comunidade.
Não queremos, certamente, «encher a boca» com discussões acerca de planos para isto e para aquilo e
dizer não a um regime específico de legalização destes menores irregulares que, por se encontrarem, desde
logo, em situação de perigo, são institucionalizados. Ficam confiados ao Estado, mas permanecem sem a sua
situação definida.
Se isto é inaceitável, à luz, nomeadamente, da Convenção sobre os Direitos da Criança, que Portugal
subscreveu, articulada com o disposto no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, a
promoção e a proteção dos menores em causa é, tem de ser, um desígnio ético do Estado português.
O critério do sangue, que, infelizmente, ganha força pela Europa errada, não é, felizmente, o nosso critério
exclusivo de atribuição de nacionalidade e é de uma violência atroz no caso destas crianças.
Em ambos os casos referidos na intervenção do Deputado José Manuel Pureza, a intenção é que crianças
e jovens institucionalizados, ou seja, à guarda do Estado, na sequência de ter sido considerado estarem em
perigo, acedam a um conjunto de direitos e oportunidades, designadamente de saúde e escolares. Efetivamente,
a regularização documental de qualquer criança corresponde manifestamente ao seu interesse, sendo certo que
o interesse superior da criança deve estar subjacente às decisões que relativamente a ela sejam tomadas.
O Estado nada tem a ganhar com crianças em situações de marginalização social por falta de documentação
de identificação. O procedimento oficioso proposto é útil, mas, antes de mais, insisto, é ético.
À especialidade o que é da especialidade. Hoje, é tempo de dizer «sim». Não há crianças-fantasma.
Aplausos do PS e do BE.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Gostaria de voltar a dar a palavra a algum Sr. Deputado inscrito, mas
não parece ser o caso.
Pausa.
Agora, sim, passa a ser o caso. Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Peço desculpa, Sr. Presidente. Foi um estrito lapso da nossa parte não
nos termos inscrito atempadamente.
Em primeiro lugar, quero dizer que esta é uma matéria relevante, é uma matéria com alguma sensibilidade,
e não porei em causa, logo à partida, a intenção do Bloco de Esquerda, nem a do Sr. Deputado José Manuel
Pureza, ao trazer este projeto ao Hemiciclo.
Devo dizer, no entanto, que, como qualquer outro, este não é um projeto que seja isento de dúvidas nem de
reflexões.
Desde logo, não será o mais relevante, mas, ainda assim, será importante conhecermos melhor este
fenómeno, a sua exata dimensão e as suas implicações na sociedade portuguesa. O Bloco de Esquerda diz que
são muitos ou inúmeros os casos — estou a citar de cor, não me lembro exatamente da expressão que está no
projeto. Ora, uma vez que parece que o próprio Estado português não tem a noção exata deste fenómeno nem
da sua dimensão, é importante conhecê-lo, obviamente.
Por outro lado, não podemos entrar na confusão de considerar que, a partir do momento em que são
institucionalizadas, estas crianças estão em situação de perigo, ou de maior gravidade de perigo. Supostamente,
esse perigo, ou essa ameaça, poderá de alguma forma ter terminado, ou é suposto ter terminado, com essa
mesma institucionalização.
Acabei de referir m conjunto de dúvidas que se podem levantar, que exigem reflexão e que acho que
exigiriam, até, algumas audições e melhor conhecimento desta matéria em sede de especialidade. Temos
divergido muitas vezes em matéria de migrações e de regularizações e há sempre um receio evidente do
denominado «efeito de chamada» e de tudo o que isso implica. No entanto, sei, sou obrigado a saber, e digo-o
aqui, que, neste caso — e, desse ponto de vista, estamos de acordo —, há uma questão de direitos humanos
que sobreleva dessas várias questões. Trata-se de menores, menores que, muitas vezes, independentemente