4 DE MAIO DE 2018
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O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projeto de lei apresentado pelo
PS nasce de um bom ponto de partida, mas pensamos que ainda tem de dar alguns passos, e os passos certos,
até ao ponto de chegada, que é o da adequação integral do regime sucessório à nova realidade social e também
às novas formas de família que a sociedade adotou.
Todos sabemos que a lógica que presidiu à instituição da qualidade de herdeiro por parte do cônjuge tinha a
ver com a proteção a viúvos, na altura mais a viúvas, que dependiam economicamente dos cônjuges e que,
assim, por via da herança e da aquisição do património, seriam compensadas e veriam o seu futuro assegurado.
Hoje, porém, já não é assim. Assimilou-se a ideia de que deve haver uma proteção maior dos descendentes
das pessoas que têm laços de sangue exatamente pelas responsabilidades que os pais têm relativamente aos
filhos.
Ora, penso que é aqui que nasce o grande desafio para todos nós, para todas as bancadas: revisitar,
porventura, todo o regime de sucessões por forma a adaptá-lo a esta realidade atual.
Seja como for, é inquestionável que o casamento, com o atual regime sucessório, causa um prejuízo direto
aos filhos, porque eles têm de concorrer do ponto de vista patrimonial com os cônjuges. Se é assim, se o projeto
de lei do Partido Socialista nasce com esta preocupação de proteger os interesses patrimoniais de filhos pré-
existentes, penso que há três reflexões que o PSD gostaria de fazer e que também que o Partido Socialista
equacionasse.
Primeira, parece-nos controverso que a renúncia à herança se deva confinar ao regime da separação de
bens. Porquê? Porque não também ao regime da comunhão de adquiridos? O cônjuge mantém a sua meação
e só a parte da herança que é distribuída pelos filhos é que seria objeto de renúncia.
Segunda, não se percebe bem a razão pela qual a renúncia deve ser recíproca — aliás, já coloquei esta
reserva, na altura, em discussão na 1.ª Comissão. Porque é que tem de ser feita por ambos os cônjuges? Se
um deles tem filhos e o outro não tem, por que razão aquele que não tem não pode sozinho renunciar à herança
do outro? Nós sabemos que o regime do casamento tem aqui interesses paritários, mas a liberdade contratual
no que respeita a interesses patrimoniais deve, neste ponto particular e na nossa opinião, vingar.
A terceira e última reserva tem a ver com o facto de o regime proposto permitir, por um lado, a renúncia à
qualidade de herdeiro, mas, por outro lado, admitir liberalidades e doações em vida, o que significa que o cônjuge
sobrevivo pode, em vida, ser uma espécie de herdeiro legítimo, conseguindo receber pela janela aquilo que
aceitou que se fechasse pela porta.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Concluindo, Sr. Presidente, este projeto de lei tem, de facto, virtualidades,
mas penso que precisa de afinações que o PSD estará disposto a fazer em sede de Comissão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza,
do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sim, é verdade que a adaptação
do direito das sucessões à realidade social, que é a nossa e que é diferente daquela que lhe serviu de matriz
fundadora, é muito conveniente, e nisso convergimos, mas é de cristalina evidência que há aqui um problema
prático com que se confronta hoje a sociedade portuguesa e que é também da resolução de problemas que se
faz o caminho.
Neste caso concreto, estamos perante situações que são conhecidas e que são as de pessoas que
pretendem casar-se, pretendem celebrar essa forma de contrato à luz do direito civil, mas que, tendo filhos de
uma relação anterior, veem que essa possibilidade de se casarem implicará efeitos sucessórios que podem,
mediante o caso concreto, manifestar-se como indesejáveis e ser obstáculo à formalização desta forma jurídica.