7 DE DEZEMBRO DE 2018
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Considerações políticas à parte, houve, sem dúvida, uma mudança drástica, um revés com grandes lapsos
temporais. Agora, há vidas em suspenso. E a verdade é que, desde a publicação deste acórdão, já passaram
225 dias.
Cabe-nos a nós, nesta Assembleia da República, procurar clarificar todos os pontos que estão em dúvida
depois desta decisão. Há embriões em risco de destruição, há processos interrompidos. As pessoas estão
perdidas. Há famílias à espera e direitos humanos alienados.
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) manifestou enorme preocupação no
que se refere à problemática do anonimato, questionando: qual o destino a dar aos gâmetas e aos embriões
criopreservados produzidos com recurso a dadores em regime de anonimato? Como se fará a compatibilização
do direito das pessoas nascidas com recurso a gâmetas ou embriões doados, em regime de anonimato, com o
direito dos dadores à manutenção do sigilo quanto à sua identidade civil legalmente consagrado à data da
doação?
Face a este plano de elevada incerteza jurídica, o PAN considera fundamental estabelecer um regime
conforme à interpretação do Tribunal Constitucional conjugado com um regime transitório que mantém as
premissas no que toca à confidencialidade dos dadores de gâmetas e embriões cuja doação seja anterior ao dia
24 de abril de 2018, data da decisão do Tribunal, e seja utilizada até cinco anos após a regulamentação da lei,
exceto nos casos em que expressamente o permitam, bem como, nos mesmo termos, dos dadores cujas dádivas
já tiverem sido utilizadas até à data de 24 de abril.
A proposta do PAN vai ainda no sentido de as pessoas nascidas em consequência de processos de PMA,
com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, poderem conhecer informações de natureza genética que lhes
digam respeito, mas no que toca à identidade do dador apenas poderem conhecer a sua identificação civil e não
a poderem partilhar com terceiros, exceto no caso de consentimento expresso do mesmo.
Quanto à proposta do Bloco de Esquerda sobre a gestação de substituição, sabemos que é complicado
constar na lei que a pessoa gestante possa revogar o seu consentimento até ao momento de registo da criança
nascida, quando está em causa um ato que sabemos que é altruísta e uma técnica de PMA que existe para
mulheres que não podem engravidar porque não têm útero ou têm lesões muito graves e incapacitantes.
Mas o Tribunal Constitucional não deixou outra hipótese. O Bloco de Esquerda, que saudamos, procurou
harmonizar a lei e garantir a sua constitucionalidade. Acompanharemos, evidentemente, o princípio desta
proposta, tal como acompanhámos a original em 2016.
Sr.as e Srs. Deputados, estamos de mãos atadas, mas temos de agir. A decisão do Tribunal de Constitucional
leva-nos a um caminho que implica soluções de compromisso. Corramos, então, no sentido legislativo que mais
e melhor represente as necessidades e vontades de todas as pessoas envolvidas.
Aplausos de Deputados do PS e do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nós, Os Verdes, que
defendemos a aposta na ciência e que o seu avanço esteja inegavelmente ao serviço dos cidadãos, da
sustentabilidade e da Humanidade, valorizamos naturalmente as técnicas de procriação medicamente assistida
através das quais se disponibilizam tratamentos que permitem uma gravidez desejada e, consequentemente, a
felicidade de muitas famílias.
É por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que consideramos que a lei da PMA, de 2006, constituiu um progresso
muito assinalável. Esta lei sofreu algumas alterações, a última das quais produzida em 2016, designadamente
no sentido de alargar o seu âmbito, abrangendo mais mulheres, para além dos casos de infertilidade.
Ocorre, como já foi sobejamente referido neste debate, que o acórdão do Tribunal Constitucional de 2018
declarou inconstitucional a questão do anonimato de dadores de gâmetas, considerando que esse anonimato
punha em causa o direito à identidade pessoal.
Ora, que efeitos práticos resultaram concretamente da decisão do Tribunal Constitucional? Desde logo — e
isso foi denunciado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida —, em termos práticos,
puseram em causa tratamentos que já tinham sido iniciados. Uma vez que os dadores eram anónimos, esses
tratamentos ficaram suspensos.