I SÉRIE — NÚMERO 59
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A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — … e quando permite que todas, mas todas as mulheres recorram à
PMA (procriação medicamente assistida) para serem mães, o que é possível desde que acabámos, em 2016,
com a imposição sexista e homofóbica de termos de ser tuteladas por um homem para o efeito.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem uma longa história de defesa intransigente do Estado de
direito e, portanto, da Constituição, mesmo quando essa defesa não é popular — e aqui precisaremos que o Sr.
Primeiro-Ministro nos esclareça.
Perante a notícia de que o Governo vai submeter a estudo a criação de tribunais especiais para a violência
doméstica, que fique claríssimo o que já afirmamos a esse respeito: tais tribunais, ou, de resto, tribunais
especiais para a corrupção e por aí fora, são flagrantemente inconstitucionais.
O n.º 4 do artigo 209.º da Constituição prevê claramente que «é proibida a existência de tribunais com
competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes». Sabemos da carga histórica deste
preceito e sabemos também que não há uma solução boa impedida pela lei fundamental, mas uma solução
muito, muito perigosa, felizmente impedida pela lei das leis.
A menos que a proposta seja a de tribunais criminais poderem regular o poder parental, caso em que não há
inconstitucionalidade, a posição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista é clara. É a de sempre!
No que toca à legislação penal, numa altura em que se discute tanto, e bem, a violência doméstica, numa
altura em que a justiça é escrutinada, é fundamental transmitir, com seriedade, os seguintes pontos: o atual
quadro constitucional, convencional e legal não permite, em circunstância alguma, considerandos contrários à
laicidade do Estado e à igualdade de género; o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não abre exceções no
que toca ao seu compromisso com a recusa de populismos penais animados pela compreensível revolta da
população.
Aplausos do PS.
Sabemos que aumentar desmesuradamente penas não diminui em nada a criminalidade e sabemos que
quem foi por aí conseguiu aumentar as taxas de encarceramento — obedecendo à lógica penal que nos é
estranha — sem qualquer efeito de prevenção geral. Basta olhar, por exemplo, para os Estados Unidos da
América.
A reforma legislativa de 2015, feita com a dedicação de todos os partidos, aprovada por unanimidade, foi e
é uma boa reforma. Neste contexto, só circunstâncias excecionais podem justificar novas modificações da lei.
Nessas circunstâncias, inclui-se, decerto, a verificação de uma situação de incumprimento de obrigações
internacionais.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentará amanhã um projeto de lei que faz da
ausência do consentimento um elemento tipo do crime de violação e de coação sexual, sendo a violência uma
circunstância agravante e que permite a aplicação de medidas de proibição e imposição de condutas previstas
no artigo 200.º do Código do Processo Penal não só ao crime de perseguição como também aos crimes de
ameaça e coação.
Insistimos em que o principal problema que assola as mulheres não está na lei, mas esta deve ser
aperfeiçoada sempre que se justifique. Foi o que fizemos, como sempre, sem fugir ao apego ao Estado de direito
que paixão alguma deve fazer vacilar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Moreira, este é um crime inaceitável e que
se tem de começar a combater desde o sistema educativo, ao longo de toda a vida e no conjunto da sociedade.
É um problema cultural que temos de ser capazes de travar coletivamente na sociedade. Orgulho-me de ter sido
Ministro da Justiça à época em que este crime se tornou crime público, mas a experiência também nos ensinou
que não basta a alteração dos tipos legais, nem tão-pouco do sistema de repressão, para que possamos ter
uma maior eficácia no combate e na eliminação desta chaga.