8 DE MARÇO DE 2019
19
Quem advogou, quem participou em qualquer julgamento, sabe bem como o mesmo depoimento, ouvido ou
lido, dito hoje ou dito daqui a um ano, pode ter um valor completamente distinto para quem não ouviu o primeiro,
para quem não ouviu de viva voz e está só a ler.
Portanto, temos de resolver o conjunto destes problemas práticos para garantir que aquilo que é a
autenticidade da denúncia possa ser efetivamente valorizada, não só pelo agente da autoridade que está a
recolher o primeiro depoimento mas sempre e até ao último magistrado que intervém a proferir a última decisão
judicial que venha a transitar em julgado. Isto é absolutamente essencial.
Por outro lado, há medidas que temos de adotar por precaução, porque, na dúvida, mais vale proteger do
que deixar acontecer. E isso exige proatividade por parte das forças de segurança relativamente às queixas que
lhes são apresentadas, exige do conjunto da sociedade uma maior mobilização, porque, muitas vezes, a própria
vítima, como sabemos, aguenta anos a fio até ao dia em que tem, finalmente, a coragem ou a necessidade, ou
em que, finalmente, se liberta e pode contar o que escondeu, muitas vezes, por vergonha, que é a pior forma
da sua própria vitimização.
Mas há toda uma outra rede social: há escolas que contactam com as famílias, há os centros de saúde, os
hospitais, as urgências, os vizinhos, o comércio local, a família. Há todos aqueles que fingem não ver, ainda
muito contaminados por essa sinistra ideia de que «entre homem e mulher não se mete a colher», e que não
cumprem o seu dever cívico que é denunciar, a tempo e horas, proteger, a tempo e horas, prevenir aquilo de
que depois, muitas vezes, se arrependem por não ter avisado, a tempo e horas.
É isso que acho essencial fazermos, percebendo que, pelo facto de, hoje, haver mais números conhecidos,
importa pouco se é por haver maior consciência, portanto, maior divulgação, ou se é, tragicamente, por haver
um aumento da violência em contexto doméstico.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já concluir, Sr. Presidente.
Porventura, é ambas as coisas. Há vários indicadores que confirmam, por exemplo, que o contexto de
divórcio e, em particular, o de regulação de poder paternal têm sido, nos últimos anos, crescentemente, fator de
acréscimo da violência doméstica. Ainda muito recentemente, ouvimos uma história trágica de como uma
criança e uma avó foram assassinadas num contexto de disputa pela regulação do poder paternal.
Por isso, também temos de refletir não só sobre a dimensão criminal mas também sobre a forma do direito
de família e de como estamos a agir neste contexto de regulação.
Portanto, é este exercício que é necessário ser feito, sem ter nenhum complexo de nos interrogarmos sobre
aquilo que temos tido por adquirido e como certezas, porque os números não nos consentem conservarmos na
comunidade as nossas certezas e exigem que nos coloquemos dúvidas para procurar encontrar melhores
respostas.
Muito obrigado, Sr.ª Deputada, e muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª
Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, estamos, de facto, perante um
problema gravíssimo e que exige mudanças estruturais no nosso País. Em menos de 10 semanas, este ano,
foram já assassinadas 13 mulheres e uma menina.
Como sabe, o Bloco de Esquerda tem levantado a questão de como é que podemos tratar a violência
doméstica e de como os tribunais de família não a têm em consideração, tantas vezes, nas decisões que tomam
e de como isso acaba por fazer a dupla vitimização tanto das mulheres como das crianças.
Como também sabe, tentámos levantar o debate dessa forma de jurisdição aqui, no Parlamento, e fomos
duramente criticados por isso. Bem, estamos habituados, quando se quer fazer ruturas, há sempre um
conservadorismo forte que dificulta.