8 DE MARÇO DE 2019
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Algo que temos hoje, seguramente, é mais verdade, mais conhecimento, menos ignorância, menos
abafamento de uma realidade que durante muitos anos esteve escondida. Hoje, felizmente, é mais pública e é
por isso que é importante esta primeira vez em que o Estado português declara luto nacional pelo conjunto das
vítimas da violência doméstica e, em particular, da violência de género.
É um ato simbólico, mas é com os atos simbólicos que começamos a agir e, sobretudo, damos uma resposta
muito clara ao conjunto da sociedade, dizendo: «Não, nós não toleramos!» Esta é uma mensagem de confiança
em que, desde esta Assembleia da República ao Presidente da República, ao Governo, às magistraturas, às
forças de segurança, não há indiferença nem há ignorância relativamente a esta realidade e dá confiança para
que vão diminuindo as cifras negras e vamos conhecendo mais das cifras reais desta realidade.
Infelizmente, esta realidade não é uma realidade do passado, nem das gerações antigas. O que sabemos
hoje sobre a violência no namoro demonstra bem como estes paradigmas sociais se vão reproduzindo
geracionalmente e continuam a existir mesmo entre os mais jovens.
É por isso que é muito importante agirmos, e agimos de diferentes formas: continuando a reforçar a rede de
apoio às vítimas, a reforçar a formação de magistrados — só no ano passado, o CEJ (Centro de Estudos
Judiciários) formou mais de 400 magistrados —, a reforçar a formação nas forças de segurança, mas também
articulando melhor a informação e a resposta de cada uma das entidades, de modo a que a informação não se
perca e possamos ter melhores resultados. É para isso que temos de trabalhar e é para isso que, felizmente, há
um enorme consenso parlamentar para que avancemos.
Quanto ao mais, se ler a resolução do Conselho de Ministros, aprovada hoje na generalidade, o Governo
não se propôs estudar a criação de nenhum tribunal especial. Simplesmente, o Governo propôs estudar,
seguindo, aliás, a recomendação do Conselho da Europa, formas de ter em conta a especialização na avaliação
deste tipo de criminalidade, designadamente através de tribunais de competência mista, de forma a poder haver
uma melhor compreensão desta realidade.
É que esta realidade não é uma realidade meramente criminal, é também uma realidade familiar, onde o
conhecimento das diferentes valências, das diferentes realidades da vida, das diferentes compreensões e dos
diferentes ramos do direito muito ajudará, seguramente, a uma maior eficácia no tratamento deste fenómeno e
na sua repressão penal.
É isso que devemos estudar. Primeiro, porque, perante os números que temos, não temos o direito de não
estudar, mesmo aquilo que achamos que pode não ter resultado e, segundo, porque, perante as recomendações
do Conselho da Europa, também devemos ter a humildade de ouvir, pensar e refletir, para ver o que se adequa
ou não adequa à nossa Constituição.
E, sobretudo, devemos evitar algo que, passados estes anos todos sobre o 25 de Abril, convém nunca mais
confundirmos: o odioso Tribunal Plenário e a criação de tribunais para julgar presos políticos com aquilo que é
a competência especializada que permite uma melhor aplicação da justiça.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas ao Governo, pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Elza Pais.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e restantes Membros
do Governo, ainda sobre violência de género, o dia de hoje, Dia de Luto Nacional contra a Violência Doméstica,
decretado pelo Governo, significa um compromisso político ao mais alto nível e um apelo coletivo para combater
a violência doméstica, mudar mentalidades e decretar tolerância zero à impunidade.
Estamos perante um terrorismo doméstico de género, como já ficou demonstrado, que matou 503 mulheres
nos últimos 15 anos, deixou 1000 crianças e jovens órfãos. Morreram assassinadas, em média, 33 mulheres por
ano, nos últimos 15 anos.
O assassinato de 13 mulheres, a última ontem, e uma criança, este ano, fez despertar todos os alertas para
nos indignarmos coletivamente com este grave flagelo. Temos, imperiosamente, de pôr fim à desvalorização
social deste crime violento. Portugal foi pioneiro ao assinar e ratificar a Convenção de Istambul, mas este
combate convoca-nos a todas e a todos, em coletivo, para agirmos com coragem, com determinação e
intransigência, para que não haja mais mulheres assassinadas e agressores impunes.