9 DE MARÇO DE 2019
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Sandra Cunha, do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Celebramos hoje o Dia
Internacional da Mulher, um marco incontornável na história da emancipação das mulheres, mas também um
dia para ganhar balanço e para continuar a luta pelos direitos e pela igualdade que ainda nos é negada.
A luta das mulheres pela igualdade de direitos e de estatuto na sociedade é extensa, longa, complexa e não
decorreu sem resistências e sem retrocessos vários, como, aliás, é próprio de todas as lutas por direitos,
liberdades e igualdade.
É hoje indiscutível que muito se avançou desde que a tomada de consciência da diferença de estatuto da
mulher fez ecoar as vozes de indignação das primeiras feministas. A história das mulheres e dos homens está
intrinsecamente interligada e uma não existe sem a outra, mas são histórias profundamente diferentes. As
mulheres tiveram de lutar, mais do que qualquer outro ser humano, por direitos tão básicos como o direito ao
voto, à propriedade, à educação, ao acesso ao trabalho, pelo direito ao aborto, à saúde sexual e reprodutiva, ao
corpo, à representação política, ao espaço público. Não devemos desprezar essas conquistas, porque são
também elas que nos dão a força e a determinação para continuarmos a luta.
Mas, não obstante estes extraordinários avanços, continuamos, mulheres, aqui e por todo o mundo, a sofrer
discriminações intoleráveis. Aqui e em todo o mundo a opressão secular de um sistema patriarcal e capitalista,
que teima em subalternizar e menorizar as mulheres por serem mulheres, mantém e fomenta os estereótipos
de género que condicionam escolhas educativas e profissionais, mantém e fomenta a desigualdade salarial e a
segregação nos cargos de chefia e liderança, mantém e fomenta a desigual participação e representação
política, a desigual repartição no exercício das responsabilidades parentais e domésticas, a feminização da
precariedade, da pobreza e da exclusão social. Essa opressão naturaliza o assédio e a intimidação das mulheres
no trabalho, na escola, no espaço público e na família, o tráfico de mulheres, os casamentos precoces, os crimes
de honra, a mutilação genital feminina, a exploração sexual, o assédio e a violação e que insiste em
desculpabilizar e normalizar a violência doméstica e a morte de tantas mulheres às mãos de companheiros ou
ex-companheiros no espaço privado, no refúgio do lar.
Este é, como todos e todas bem temos reconhecido, nos últimos tempos, um dos maiores flagelos no nosso
País. A violência doméstica sobre as mulheres é um crime abjeto e um problema estrutural da nossa sociedade.
Não é circunstancial! E, por isso, precisa de um pouco mais do que atos simbólicos, precisa da coragem de agir
com medidas concretas e efetivas. O objetivo tem de ser o da proteção das mulheres e o da tolerância zero aos
agressores!
O Bloco de Esquerda tem apresentado várias iniciativas nesta matéria, tendo muitas delas sido criticadas e
rejeitadas. Folgamos em saber que o Governo pretende agora recuperar a proposta que o Bloco apresentou
nesta Casa há meia dúzia de meses com o objetivo de garantir que o processo-crime de violência doméstica e
o processo de regulação das responsabilidades parentais decorra como um só, de forma articulada, pois só
assim se pode efetivamente proteger as vítimas, mulheres e crianças.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Continuamos a insistir no respeito pela natureza punitiva e preventiva do
Código Penal. A cultura judicial de desvalorização e desculpabilização da violência contra as mulheres tem de
ser ultrapassada de uma vez por todas e, para isso, importa dar a estes crimes, no Código Penal também, a
importância que revelam ter na vida concreta.
Não podemos continuar a ter um crime que é crime público, que é criminalidade violenta, um crime contra as
pessoas e que mata tantas mulheres, a ser menos gravosamente punido do que crimes contra o património. Em
Portugal, temos 70% de arquivamentos em processos de violência doméstica; em França, por exemplo, não
chegam a 50%. Temos 90% de penas suspensas; em França, há 78% de penas efetivas. Não podemos
continuar a ter estas taxas de arquivamento e de penas suspensas, não porque o objetivo seja o punir por punir,
que também importa, mas porque é isso que desprotege as vítimas.