I SÉRIE — NÚMERO 108
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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No ano de 2000, a Caixa era o maior
banco português e um poderoso instrumento de intervenção pública, que deveria ter sido utilizado na orientação
estratégica da economia portuguesa. Mas não foi!
O banco público não serviu para contrariar o rumo da economia nacional em direção à monocultura da
construção e do imobiliário, às PPP (parcerias público-privadas), e, sobretudo, rumo à especulação financeira,
ao sabor dos interesses de uma elite que sempre frequentou os corredores do poder mas que só foi questionada
depois de ter caído de podre. Agora é muito fácil, Srs. Deputados! É por isso que a indignação do PSD, agora,
soa a falsa, parece falsa e é mesmo falsa. É pura desorientação política!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Esta Comissão de Inquérito concluiu que, durante anos, a Caixa conviveu
demasiado bem com práticas erradas, irresponsáveis e negligentes de concessão, acompanhamento e
recuperação de créditos, práticas que se concentraram no mandato de Santos Ferreira, com responsabilidades
particulares de Armando Vara, Francisco Bandeira e Maldonado Gonelha, durante o Governo de José Sócrates.
Porém, quem disser que as más práticas da Caixa são exclusivas deste período ou destes administradores
mente. Passaram pelos Conselhos de Crédito muitos nomes. Ouvimos Celeste Cardona, Carlos Costa, Norberto
Rosa e muitos outros responsáveis, que nos deixaram uma certeza: em momento algum, as operações de
crédito mais ruinosas, fosse a Berardo ou a Vale do Lobo, foram questionadas ou criticadas por quem tinha essa
responsabilidade.
Há também exemplos de má gestão antes e depois deste mandato crítico. O derivado conhecido por Boats
Caravela, que custou 340 milhões de forma inexplicável, foi aprovado por João Salgueiro, em 1999. O
acompanhamento negligente das dívidas do grupo Imatosgil ou as reestruturações benevolentes dos créditos
de José Berardo prolongaram-se no mandato de Faria de Oliveira e posteriores. De muitos lados, ouvimos a
mesma justificação: a de que estas eram as práticas do mercado à altura. Estamos convictos de que sim, e não
confundimos a Caixa com o BPN (Banco Português de Negócios) ou o BES (Banco Espírito Santo).
Contudo, o que se exigia aos administradores da Caixa era que alinhassem pelas melhores práticas e não
pelas piores, muito menos que se tivessem colocado na situação de financiar um conflito acionista num banco
privado concorrente.
O que se exigia à tutela era que determinasse e avaliasse os objetivos estratégicos do banco público, em
vez de se focar nos dividendos que recebia ou em utilizar a Caixa, de forma casuística, para apoiar empresas
específicas, por mais importantes que os projetos se afigurassem.
O que se exigia ao Banco de Portugal e a Vítor Constâncio era que tivessem identificado as más práticas de
gestão, era que tivessem impedido a tomada de posições acionistas em bancos, puramente alavancadas em
crédito, era que tivessem identificado o risco sistémico que vinha de a Caixa ter financiado acionistas do BCP e
tomado 8% do capital deste banco como garantia. O que se exigia ao Banco de Portugal era que, já no mandato
de Carlos Costa, as auditorias realizadas, que antecipavam muitos destes factos, tivessem tido consequência.
Porém, nada disto aconteceu e, por isso, administradores, tutela e supervisores partilham responsabilidades.
O modelo de supervisão falhou, a autorregulação provou ser uma fraude e a Caixa foi refém da conjugação da
promiscuidade entre interesses privados e políticos que dominou a economia e minou a democracia portuguesa.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exatamente!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.as e Srs. Deputados, o Relatório desta Comissão de Inquérito é factual
e equilibrado e, por isso, mereceu o nosso convicto voto a favor. Aliás, aproveito para cumprimentar o Deputado
João Almeida e também o Presidente da Comissão.
Faltou-lhe, no entanto, quanto a nós, não só uma crítica estrutural às escolhas políticas que conduziram a
economia a um modelo económico errado, e que estão ligadas às privatizações e à liberalização do sistema
financeiro, mas também a recomendação de medidas concretas para futuro que aumentem a transparência e o
escrutínio sobre o funcionamento da banca, onde o segredo tem sido o melhor aliado da impunidade.