I SÉRIE — NÚMERO 109
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1 — Qualquer opção de musealização construída em torno da figura do ditador António de Oliveira Salazar,
focada no seu local de nascimento e em elementos e objetos da sua vida pessoal, afigura-se como dificilmente
compatível com a edificação de um projeto sólido e abrangente de apresentação e estudo do legado do regime
ditatorial que durante mais de quatro décadas oprimiu Portugal, cerceou liberdades e direitos fundamentais,
perseguiu, torturou e matou os que se lhe opuseram, condenou o País a uma guerra colonial sem saída e privou
várias gerações do acesso à instrução e ao desenvolvimento económico e social, merecendo, por isso, a rejeição
por parte do Partido Socialista.
2 — Tem sido, todavia, sublinhado pelos promotores do projeto Centro Interpretativo do Estado Novo que
essa não é a sua intenção, ainda que o debate público que tem decorrido não seja ainda suficientemente
clarificador quanto aos detalhes, programa e contexto da iniciativa.
3 — É, pois, de assinalar a vontade manifestada a propósito deste voto pela ADICES — Associação de
Desenvolvimento Local (abrangendo os municípios de Águeda, Carregal do Sal, Mortágua, Santa Comba Dão
e Tondela) de apresentar detalhadamente as suas intenções à Assembleia da República, para assim dissipar
dúvidas e enquadrar a iniciativa num roteiro que pretendem mais alargado de centros interpretativos em locais
de relevo historiográfico na região.
4 — Uma matéria desta natureza, que convoca a forma como a democracia deve encarar a valorização da
memória histórica, bem como a centralidade da defesa dos valores estruturantes do Estado de direito, não pode
deixar espaço para equívocos. Neste contexto, é importante ter presente que a falta de clareza acarreta
consequências simbólicas, podendo iniciativas desta natureza, ainda que bem-intencionadas, criar riscos
desnecessários de branqueamento do período histórico em causa ou até de criação de espaços de romagem
ou hagiografia para aqueles que se opõem ao regime democrático e que pretendem valorizar o legado da
ditadura.
5 — Num quadro em que é imprescindível a existência de certezas absolutas quanto à qualidade e seriedade
do trabalho historiográfico e quanto à inexistência de riscos de aproveitamento político contrário aos valores do
Estado de direito e da democracia, o voto em análise afirma, preventivamente, aquilo que não pode ser tido por
aceitável neste processo, devendo por isso ser tido em conta pelas entidades que se têm debruçado sobre o
eventual projeto.
Os Deputados do PS.
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O Grupo Parlamentar do PSD defende o princípio de que o conhecimento — quando rigoroso, isento e
avalizado — é sempre, e em qualquer circunstância, preferível à ignorância. O conhecimento histórico,
nomeadamente de factos e eventos marcantes do nosso passado comum, remoto ou recente, é uma
componente insubstituível do nosso posicionamento coletivo no presente e no futuro. Enquanto pessoas,
enquanto cidadãos, enquanto País.
A polémica pública em torno do projeto de criação de uma rede de centros interpretativos que inclui um centro
interpretativo do Estado Novo no concelho de Santa Comba Dão, e que motivou um voto de condenação pelo
PCP, suscita ao Grupo Parlamentar do PSD as seguintes reflexões:
1 — As declarações e explicações públicas do promotor do referido centro interpretativo do Estado Novo a
que o Grupo Parlamentar do PSD teve acesso têm sido sempre no sentido de rejeitar a intenção de criar um
«Museu Salazar», com tudo o que um projeto dessa natureza poderia encerrar em termos laudatórios ou
apologéticos de uma personalidade ou de uma ideologia.
2 — Consciente da importância da isenção, do equilíbrio e da seriedade do projeto, o promotor da iniciativa
estabeleceu um protocolo de colaboração com o Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da
Universidade de Coimbra, com o objetivo de assim garantir o rigor histórico e científico do discurso expositivo.
3 — Ainda segundo o promotor da referida rede de centros interpretativos — que, para além do concelho de
Santa Comba Dão, abrangerá os concelhos de Carregal do Sal, Tondela, Penacova e Seia —, o objetivo primeiro
da sua criação prende-se com a defesa e promoção dos territórios de baixa densidade — uma causa pela qual
o PSD sempre se tem batido.