I SÉRIE — NÚMERO 3
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A proposta de lei de autorização legislativa, nos três singelos artigos que contém — e, da mesma forma, a
intervenção do Sr. Secretário de Estado —, refere-se textual e exclusivamente à questão do acesso a informação
e a imagens de videovigilância para fins de investigação de acidentes ferroviários. Mas o projeto de decreto-lei
anexo ao pedido de autorização legislativa vai muitíssimo para além desta questão e faz alterações muito
significativas — algumas delas, registe-se, do nosso ponto de vista, muito preocupantes — no que tem que ver
com a própria estrutura e o regime de investigação e prevenção de acidentes ferroviários. É isso que nos
preocupa desde já.
Do ponto de vista específico, a autorização da Assembleia da República para enquadrar, nesta legislação, a
utilização de imagens de videovigilância tem, em si mesma, um problema: está a ser debatida em termos
setoriais apenas no que diz respeito à política de transportes. Que eu saiba, a 1.ª Comissão não se pronunciou
sobre esta matéria e, que eu saiba, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) não se pronunciou
junto da Assembleia da República sobre esta matéria. «Ainda irá a tempo,…» — dirá o Governo — «… a CNPD
poderá fazer chegar ao Governo o seu parecer para efeitos de aprovação do decreto-lei.»
É importante que a Assembleia da República seja informada, no decorrer deste processo, sobre essas
posições e análises, que, até agora, não existem, do estrito ponto de vista legal da utilização de videovigilância
no que diz respeito à proteção de dados. Esta é uma questão que não pode deixar de ser assinalada.
Do ponto de vista do funcionamento do Gabinete, a consolidação da política de junção do antigo GISAF
(Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários) com o antigo GPIAA (Gabinete de
Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves), juntando a investigação de acidentes aeronáuticos
com a dos acidentes ferroviários na mesma entidade, que criticámos e que é criticável, é algo que este decreto-
lei, em anteprojeto, vem consagrar.
Por outro lado, é preciso esclarecer, desde logo, o engano patente nesta discussão, porque a diretiva
comunitária que está a ser referida e transposta não é sobre o uso de videovigilância. Esta diretiva é um
instrumento, dentro do pacote ferroviário da União Europeia, para consagrar e levar cada vez mais longe a
liberalização e a entrada de operadores ferroviários de uns países nos outros. E a famosa harmonização de
procedimentos de investigação nesta matéria, inclusivamente o papel de outras autoridades de outros países,
Estados-Membros da União Europeia, e a sua vinda a Portugal, em caso de acidentes com operadores
estrangeiros, tem tudo a ver com esse nefando processo para a própria segurança ferroviária que é a
liberalização do setor.
Quando condenamos aquilo que tem vindo a acontecer, falamos de sucessivos Governos que
desmembraram a ferrovia nacional, segmentaram a CP (Comboios de Portugal), separaram, como se diz, o
rodado do carril e, depois, juntaram o carril ao alcatrão, que foi a pior coisa que fizeram e insistem em fazer no
sistema ferroviário. Entretanto, juntaram os gabinetes de investigação relativamente à aviação e à ferrovia e
verifica-se uma clamorosa falta de meios no sistema ferroviário e no conjunto das entidades responsáveis em
relação à investigação e à prevenção de acidentes e em relação à própria segurança ferroviária e à qualidade
do transporte ferroviário. É essa a preocupação que não podemos deixar de sublinhar.
Portanto, quando chamamos a atenção para o muito que há a discutir sobre o decreto-lei que o Governo se
prepara para aprovar, cá estaremos, Sr. Secretário de Estado, para chamar a atenção para o que aí está do
ponto de vista negativo e preocupante, inclusivamente nos próprios procedimentos na investigação dos
acidentes ferroviários.
Por isso, não podemos deixar de manifestar a nossa preocupação sobre o que está em causa e de apontar
o dedo a essa diretiva e a essa política, em geral e de forma transversal, de liberalização e de privatização do
transporte ferroviário.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Silva, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Carlos Silva (PSD): ⎯ Sr. Presidente, em relação a este argumento de que a situação da ferrovia se deve aos sucessivos Governos, que o atual Governo se vai encarregar de utilizar como resposta, gostaria de
dizer apenas duas coisas.