28 DE OUTUBRO DE 2020
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um acordo com o Bloco para o combate à precariedade e na manhã seguinte fez o acordo contrário com as
associações patronais, introduzindo este período experimental como regra.
Percebo as fortes razões ideológicas do Governo para manter esta norma. Mas não tem razão. A norma
desqualifica as profissões, prolonga a vulnerabilidade, prejudica a vida das pessoas. Não há nenhum motivo
para que não cheguemos a um acordo para a corrigir.
Quando propusemos uma nova prestação, fizemo-lo porque entendemos que é o momento de reforçar o
sistema de proteção social, para lá dos apoios extraordinários, que estão, aliás, a ser criados em tantos
países, por tantos Governos, dos mais progressistas aos mais liberais. Não podemos continuar a ter a maior
parte dos desempregados sem qualquer acesso a uma prestação de desemprego. Esse é um problema
estrutural que tem de ser resolvido estruturalmente.
Recebemos, em troca desta proposta, abertura para discutir um apoio emergencial e temporário, financiado
com fundos europeus durante 2021. Trabalhámos intensamente para melhorar essa proposta circunstancial,
mas, depois de alguns avanços, que devem ser referidos, não conseguimos garantir que todas as pessoas
apoiadas em 2020 mantenham o apoio em 2021. É o caso de um casal em que cada um tenha rendimentos de
860 € e em que um perca rendimentos do trabalho independente: ficam excluídos de qualquer apoio, mesmo
tendo caído na pobreza.
Valorizamos também alguns passos dados pelo Governo na área da saúde. O que nos distingue não é
querer ou não querer um bom serviço público de saúde. O que nos separa é que queremos uma reforma
estrutural que levante o SNS e o Governo só aceita remendos de curto prazo, e, assim, condena-se o SNS à
atrofia.
Queremos um Orçamento que responda à doença do SNS: o Hospital Garcia de Orta trabalha com
médicos a menos, perde especialistas e não consegue manter a urgência aberta à noite; o Hospital Curry
Cabral perdeu sete médicos desde o início do ano e no hospital de Évora saíram sete de oito pediatras; no
hospital Amadora-Sintra saíram sete pessoas da unidade de obstetrícia e abriram zero vagas no último
concurso; no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental foi reduzido o rácio de enfermeiros e as juntas médicas,
por todo o País, não dão as respostas necessárias.
A realidade mostra-nos que não adianta anunciar contratações e depois enfiar a cabeça na areia, como o
avestruz, para não ver que essas contratações são insuficientes e muitas nem chegarão a acontecer.
As assistentes operacionais estão exaustas, ganham o salário de um caixa de supermercado, trabalham
longas horas extraordinárias, muitas vezes sem receber por isso, mas o Governo rejeita a possibilidade de
lhes reconhecer uma carreira. Deveríamos e poderíamos chegar a um acordo para proteger estas
trabalhadoras e estes trabalhadores.
Há hospitais que perdem profissionais por falta de autonomia para os contratar para o quadro, mas o
Governo rejeita conceder-lhes essa autonomia.
Há concursos para médicos sem candidatos e, por isso, o Governo não conseguirá cumprir o compromisso
de contratações, nem com aquele truque de considerar a especialização dos internos que já estavam no SNS
como novas contratações de especialistas. É que, simplesmente, não há médicos suficientes no público e os
truques não fazem urgências nem consultas. É preciso dar aos médicos a retribuição adequada, é preciso
recuperar ao privado os médicos que faltam nos hospitais e centros de saúde em que Portugal confia. Mas o
Governo rejeita a medida mais eficaz para atrair e manter os médicos no SNS, que é o regime de
exclusividade.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ignorar este problema é um erro: das 4600 contratações anunciadas para 2021, 2200 dizem respeito à vinculação de profissionais que já hoje estão no SNS. O Governo estima
que 510 vagas poderão ficar por preencher nos próximos concursos médicos. Entretanto, há 434 especialistas
que irão aposentar-se, isto sem contar com a aposentação de outros profissionais. O efetivo reforço do SNS,
sem contar com as 4600 contratações anunciadas, pode ficar abaixo de um terço — um terço! — do que foi
anunciado.
Na saúde, como nos apoios sociais, não há remendos que estanquem a urgência de medidas fortes e
estruturais. Se pensa que com a rotina, uns arranjos provisórios e alguns anúncios consegue conduzir