I SÉRIE — NÚMERO 25
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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No momento em que votamos o Orçamento do Estado para 2021 ele já está
desatualizado. Este é talvez o maior problema da proposta do Governo e do nosso debate.
Este Orçamento pertence a um outro tempo, um tempo em que não existia segunda vaga pandémica, um
tempo em que era possível acreditar que ajudas mínimas aguentariam o emprego, que atuar nas margens
chegaria para que a pobreza não explodisse, que a dedicação incansável dos profissionais do Serviço Nacional
de Saúde bastaria para ultrapassar todas as fragilidades.
Decorreram nove meses sob pandemia e com paragem total ou parcial dos mais diversos setores da
economia, com o desemprego a acelerar — mais 36% só entre agosto e setembro —, com mais de 80 000 casos
ativos de COVID, dos quais mais de 500 em cuidados intensivos, e com novos adiamentos da atividade
programada do Serviço Nacional de Saúde.
Sr. Primeiro-Ministro, a política das margens ou dos mínimos já não convence quase ninguém. Portugal é
um dos países europeus mais afetados pela crise pandémica, um País muito dependente do turismo, marcado
pela pobreza e pela precariedade, com amplos territórios envelhecidos e com um reduzido número de camas
de cuidados intensivos por milhão de habitantes. Tragicamente, é também um dos países que menos gastaram
— e, com este Orçamento, um dos que menos gastarão —, em percentagem do PIB (produto interno bruto),
para responder à crise.
Bem podem o Governo e o Partido Socialista chorar a instabilidade destes dias e a dificuldade da crise ou
repetir incessantemente que o Bloco desertou da esquerda ou das soluções para o País.
O Sr. Primeiro-Ministro: — É verdade!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Na verdade, a instabilidade e a dificuldade política acrescida destes dias são resultado da deserção do Governo e do Partido Socialista de uma resposta consistente à crise e de soluções
capazes. Um Orçamento que, como diz o Primeiro-Ministro, é de continuidade não responde a estes tempos
excecionais.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Há um ano, o Governo recusou um acordo de legislatura com o Bloco de Esquerda e passou a tentar governar como se tivesse maioria absoluta. Depois disso, fez alguns acordos que
incumpriu majestaticamente: não concretizou as contratações na saúde, nem os apoios aos cuidadores
informais e nem sequer o apoio extraordinário aos trabalhadores informais. Não cumpriu com a esquerda e não
cumpriu com o País, que já nem estranha catadupas de anúncios com pouca ou nenhuma consequência.
Mas o maior fator de instabilidade não foi essa recusa de um acordo com a esquerda e nem mesmo o
desrespeito pelos compromissos. Foi mesmo o improviso e a impreparação na resposta à segunda vaga da
pandemia. Não faltaram ao Governo nem poder nem dinheiro, com o estado de emergência e o Orçamento
Suplementar. O Bloco não faltou ao Governo e não se arrepende. Mas faltou o Governo.
Não teria sido difícil um acordo neste Orçamento do Estado, quando tudo se podia atrasar, mas não se podia
falhar à saúde. Ao falhar na saúde, o Governo falha ao País. Chegámos ao fim de outubro com menos 1029
médicos no SNS do que tínhamos antes de começar a pandemia, em janeiro, segundo números oficiais. Nesta
recusa da realidade é que não há prioridades, nem gestão, nem ideias, nem cuidado. Os lares continuam a ser
previsíveis focos da doença. A vacinação sazonal contra a gripe tornou-se caótica. Ninguém sabe como vai ser
realmente a vacinação contra a COVID. O que falta é Governo. Um acordo para a saúde — mas um acordo para
valer e não mais um anúncio — poderia ter salvado este Orçamento. Mas o Governo preferiu a sua certeza de
que o mínimo possível é o máximo que quer dar.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, o que conta não são as peripécias do debate na especialidade. Isso é tão
fugaz como o verão de São Martinho, que, aliás, já passou. O que conta é o seguinte: o que será o ano de 2021
para o nosso povo? É mesmo aí que falha este Orçamento: ele quer ser pouco, quando era preciso muito esforço
para o emprego; ele desconsidera a fragilidade do SNS, quando este devia ser este o pilar da nossa confiança;
ele ignora o investimento estrutural. Este Orçamento carrega um ano de insegurança e instabilidade, mas
Portugal merecia e precisava da garantia de segurança e estabilidade.