27 DE NOVEMBRO DE 2020
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Nada é mais perigoso do que olhar com distância quem se vê afundar com a crise, adiar o que é urgente,
gerir a agenda em lugar de responder ao País. Nada é mais perigoso do que explicar que, sob a pandemia, tudo
é instável e imprevisível e, depois, dar a garantia incondicional do Estado aos negócios ruinosos que a banca
quiser fazer.
Foi necessário o Parlamento — apesar do PS e das cambalhotas de alguns — aprovar a medida básica:
primeiro conhece-se a conta e só depois se paga. Nenhum contrato pode exigir o contrário, nem mesmo o do
Novo Banco. O fundo abutre Lone Star, a quem este Governo entregou o banco, cobra aos contribuintes os
prejuízos que vai impondo, e isso tem de ser investigado. Houve um tempo em que o Primeiro-Ministro garantia
que a venda não teria «impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os
contribuintes». Esse tempo foi em março de 2017, e já lá vão cerca de 3 mil milhões de euros, em cima dos 4,9
mil milhões já pagos no Governo PSD/CDS.
O que, no entanto, não sabíamos e agora já sabemos é como se processa o saque do Lone Star, com a
imputação de prejuízos ao Fundo de Resolução. Um dos truques mais visíveis é o do negócio da venda de
carteiras de ativos em saldos, sobretudo imobiliárias e empresas: carteira Viriato, Nata 1, Sertorius, Nata 2,
Albatros, GNB Vida, BES Vénétie.
Todas juntas, estas operações já implicaram perdas de cerca de mil milhões, e sabemos como foi: quase
todas suportadas pelo Fundo de Resolução e garantidas por transferências orçamentais. E é porque sabemos
como foi que tentámos conversar com o Governo sobre soluções para o maior escândalo financeiro do nosso
tempo. Onde quisemos diálogo, encontrámos recusas. Mas o Parlamento acabou por decidir como tinha de
decidir.
O Governo quis manter o que sempre fez: o PS não discute o sistema financeiro com a esquerda. Mas
enganou-se e é imprudente. Ao fim de 8 mil milhões de euros entregues a um banco, era tempo de travar estes
jogos milionários e de defender Portugal. Ainda bem que o fizemos!
Sr. Primeiro-Ministro, registámos alguns avanços na discussão do Orçamento, em sede de especialidade,
sobretudo na proteção social, onde haverá uma cobertura um pouco maior do que a inscrita inicialmente pelo
Governo. Ainda bem! Mas os problemas centrais mantêm-se: há quem precise de apoio e fique dele excluído
em 2021, mesmo tendo tido acesso em 2020. A responsabilidade era a de incluir quem foi excluído neste ano e
não a de deixar mais gente de fora no próximo ano. Os anúncios na saúde aumentaram, mas não se alteraram
regras que garantam a sua execução. Os apoios públicos não significam emprego e podem mesmo financiar a
continuidade de despedimentos fáceis e baratos.
Registamos que o debate deste Orçamento, Sr.as e Srs. Deputados, não foi entre a direita e a esquerda. A
direita, aliás, não trouxe qualquer proposta alternativa para responder à crise, apenas umas medidas soltas,
nenhuma visão ou responsabilidade. O debate foi e é entre a resposta de mínimos do Governo e a exigência da
esquerda. Esse foi o debate que contou, neste Orçamento, e é o que continuará a contar. A direita pôs-se fora
de jogo.
Quero mesmo agradecer ao Dr. Rui Rio. Nos últimos anos, ninguém fez tanto em tão pouco tempo pelo
reforço da posição da esquerda como o Dr. Rui Rio. Ao escolher uma aliança com a extrema-direita xenófoba,
o PSD isolou-se, mas também mostrou ao PS que, fracassada a ambição da maioria absoluta, só poderá
governar se procurar acordo com a esquerda. E, nesse caminho à esquerda, sem amparo da direita, o PS terá
de negociar o que até agora pensou que podia recusar: um SNS com capacidade suficiente e carreiras
profissionais em exclusividade, uma proteção social baseada no emprego e no combate à pobreza, o fim das
leis laborais da troica.
Ainda não foi neste Orçamento que o conseguimos. Podia e devia ter sido agora. Ninguém compreende que
o Governo diga aceitar a exclusividade dos profissionais de saúde, desde que esta não se aplique, ou que
suspende a caducidade dos contratos de trabalho, desde que a regra seja reposta em breve.
Sr. Primeiro-Ministro, não foi agora, mas será. Com a «cheguização» do PSD, o PS terá sempre de fazer
uma escolha essencial: ou procura a direita — mas essa direita já não existe — ou faz um contrato para políticas
sociais que façam uma maioria que proteja Portugal. Portugal precisa de garantir a segurança das suas políticas
sociais e da sua saúde pública, precisa de rigor nos impostos e de respeito pelo trabalho que faz todas as coisas.
É o que havemos de conseguir. É este o compromisso do Bloco de Esquerda, e nós somos incansáveis.
Aplausos do BE.