I SÉRIE — NÚMERO 46
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O ser humano, todo ele, merece o maior respeito na morte. Porém, são os que se aproveitaram e aproveitam
de Mata, do seu passado e das suas medalhas fascistas, quem o desrespeita, quem lhe nega a paz eterna como
salvação do seu passado abusador.
Há colunistas que não podem ouvir a comparação entre salazarismo e nazismo. É o passo mais largo do
caminho para a normalização do nazismo. Milhares de oficiais alemães foram vítimas de um facínora, muitos
foram obrigados a cometer as maiores atrocidades, mas os alemães não passaram os anos seguintes à grande
guerra a elogiar as várias Cruz de Ferro que foram atribuídas, souberam construir a honorabilidade sobre a
vergonha. E isso é que é dignidade.
Uma parte da esquerda democrática parece atravessar um tempo de esquecimento do passado. Isso viu-se,
no ano transato, numa anormal agitação perante um voto sobre o 25 de novembro, o esforço feito para a
normalização do gonçalvismo; mas também se vê na apreciação de cada um dos que fizeram a guerra dita
colonial pela mira de uma avaliação de percurso do Major Marcelino da Mata. À esquerda democrática bastou
escrever uma lista das condecorações para aprovar um voto de pesar, mesmo que essas condecorações sejam
as cruzes de ferro da nossa doméstica vida das décadas de 1960 e 1970.
O Deputado do PS, Ascenso Simões.
——
As Forças Armadas merecem o maior respeito do povo português, da República, e dos seus parlamentares.
Merecem-no porque estão ao serviço do povo e do país, no cumprimento das missões que lhe são confiadas
pelo poder político.
Merecem o nosso sentido reconhecimento os antigos combatentes, muitos deles recrutados à força,
abdicando da sua juventude e, em demasiados casos, perdendo a sua própria vida ao prestar serviço militar em
regime de conscrição para defender um colonialismo caduco de um regime fascista. Merecem-no pela sua
coragem e pelo cumprimento do dever cívico que à época lhes foi confiado, ainda que, em muitos casos, contra
a sua vontade e, assim, contra a sua liberdade.
Esse reconhecimento não é condicional à injustiça e ilegitimidade da causa colonial e tem de ser feito
sabendo o que é a guerra e o enorme sofrimento que esta causa nos territórios e nas pessoas envolvidas, tanto
militares como civis inocentes. O mesmo não se pode dizer perante práticas bélicas que possam constituir
violações do direito internacional e, designadamente, das Convenções de Genebra.
Reconhecendo o percurso militar do Tenente-Coronel Marcelino da Mata, não é possível ignorar as
alegações, de fonte credível, de que este terá cometido atos que violam e ofendem estas convenções e a
dignidade humana. Assim, quando o Projeto de Voto n.º 468/XIV/2.ª diz que este falecido militar se destacou
«sempre pela sua coragem e bravura individual», não podem os Deputados abaixo-assinados dar o seu
assentimento à possibilidade de destacar como coragem ou bravura tais violações.
Não tendo estas acusações sido julgadas ou provadas em sede própria, não é possível aos parlamentares
sanar as dúvidas morais que o referido voto consigo carrega.
Assim, em consciência, o Deputado abaixo-assinado absteve-se no voto em apreço, enviando, ainda assim,
condolências à família, seus camaradas e amigos, e prestando o seu reconhecimento às Forças Armadas e
antigos combatentes.
O Deputado do PS, Miguel Matos.
——
Na aprovação do voto de pesar pelo falecimento do Tenete-Coronel Marcelino da Mata, o meu voto foi
registado em consonância com a posição assumida pela direção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Não estando presente na Sala do plenário, deveria ter informado previamente da minha posição contrária nessa
matéria, diligência que, por lapso da minha exclusiva responsabilidade, não foi formalizada. Pretendo por isso
que fique registado o meu lapso, que deploro, e a minha discordância quanto ao voto de pesar e quanto à
declaração de voto submetida pelo meu Grupo Parlamentar.