3 DE JUNHO DE 2021
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Estas empresas não fazem mais do que intermediar o pagamento dos salários a quem trabalha nestas
instituições, impedindo o acesso destes trabalhadores ao contrato de trabalho que deviam ter. A Câmara de
Lisboa paga a estas empresas meio milhão de euros/ano e os teatros nacionais outro tanto. Este esquema de
precariedade no setor da cultura imposto pelo Estado é comum a muitos setores e profissões, tanto nas
instituições públicas como nas empresas privadas do setor da cultura.
Sr.as e Srs. Deputados, a precariedade na cultura, como em qualquer setor, serve dois objetivos: o poder
desmesurado de quem emprega sobre quem trabalha, atropelando qualquer regra relativa a horários de
descanso ou qualquer outro direito, e salários baixos.
Ainda antes da pandemia, o Observatório Português das Atividades Culturais já mostrava que metade dos
trabalhadores ditos independentes recebiam abaixo do salário mínimo atual. E os atrasos nos financiamentos,
também eles já normalizados, provocam regulares despedimentos coletivos sem nome nem direitos, porque,
afinal, nem contrato existe.
Onde o contrato existe, a regra tem sido o salário baixo e congelado ou o posto de trabalho vazio. É assim
no património, com os quadros da direção-geral e dos museus por preencher. É assim na RTP (Rádio e
Televisão de Portugal), em que o Governo propõe um novo contrato de concessão com menos receitas e mais
despesas, propondo resolver a equação impossível com mais cortes e mais outsourcing.
A proposta de estatuto do Governo, tal como está, segue a máxima de Lampedusa: «Algo deve mudar para
que tudo continue como está.» O Governo interrompeu as negociações com o setor e espera, talvez, que
anúncios de novos apoios desmobilizem a luta pelo contrato de trabalho.
Da parte do Bloco de Esquerda, não desistimos de nenhuma luta — dos apoios para a recuperação ao
aumento do Orçamento do Estado para a cultura — e nada nos distrai de uma exigência fundamental, a de que
o trabalho em cultura é trabalho e tem de haver um contrato de trabalho, e isso exige um estatuto decente.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Ainda na fase de abertura do debate, tem a palavra o Governo, através da Sr.ª Ministra da Cultura.
A Sr.ª Ministra da Cultura (Graça Fonseca): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui hoje para falar da política cultural do Governo, a pedido do Bloco de Esquerda, que quis que um dos seus dois
debates, por meio de interpelação ao Executivo, fosse sobre cultura, uma opção que, naturalmente, saudamos.
Subjacente a esta iniciativa do Bloco estará, aparentemente, a acusação de ausência de uma visão
estratégica para o setor por parte do Ministério da Cultura.
Falemos, então, da visão estratégica para o setor, mas também de quem faz da cultura apenas um acessório
para usar nos dias de festa, em frente às câmaras, num desejo de produzir manchetes.
Num exercício de memória, que aqui também foi feito, regressemos ao outono de 2020, aquando da votação
do Orçamento do Estado para 2021. Foram aprovadas medidas para a área da cultura, em conjunto com o PCP,
o PEV, o PAN e a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues, e, desse diálogo, resultou algo, aliás, muito
significativo, como a aprovação de um programa de apoio ao trabalho artístico e cultural, que esteve na origem
do Programa Garantir Cultura, no valor total de 53 milhões de euros. Este é o resultado de quando se trabalha
de forma construtiva.
Do outro lado do espelho esteve o Bloco de Esquerda, como é hábito, parado, a olhar para si próprio. Este
partido decidiu, estando no seu inteiro direito, não aprovar o Orçamento do Estado. Mas é preciso recordar aos
portugueses, muito em especial a todos aqueles que fazem parte do setor cultural, e para memória futura de
todos, que, em momento algum do diálogo que o Bloco de Esquerda manteve com o Governo, em 2020, no
quadro da negociação do Orçamento do Estado, a cultura foi tema trazido à mesa.
Procurámos e não encontrámos, uma única vez, a palavra «cultura» nas propostas que o Bloco entregou ao
Governo no decurso das negociações para o Orçamento do Estado para 2021.
Aplausos do PS.