I SÉRIE — NÚMERO 76
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Ao longo do tempo, Portugal tem vindo a fazer, nesta matéria, um caminho que valorizamos, um caminho
assente numa política reconhecida internacionalmente, com resultados notáveis, que só não vão mais longe por
falta de meios.
Hoje, volta à discussão o uso recreativo e pessoal, incluindo a possibilidade de cultivo, mas Os Verdes
manterão a sua posição de voto relativamente aos projetos da legislatura anterior, ou seja, a abstenção.
Reconhecemos que nesta discussão há argumentos válidos para um lado e para o outro e, sendo sensíveis
a esses vários argumentos, Os Verdes entendem que a legalização não é, efetivamente, uma estratégia para a
redução do consumo, mas proibir sem estratégia de redução e tratamento também não dá resultados com esse
objetivo.
Sobre os efeitos na saúde, há também estudos para todos os gostos. Uma questão que deve ser igualmente
colocada em cima da mesa e debatida, dada a sua pertinência, é a do tráfico do mundo criminoso versus
segurança na aquisição e no consumo.
Por outro lado, há preocupações que também são legítimas. Referimo-nos, por exemplo, a preocupações
como as que dizem respeito ao facilitismo na disponibilização de canábis, às experiências que sejam feitas
relativamente a este produto, se podem ou não levar e incitar a outro tipo de dependências e
toxicodependências.
Recordemos as palavras da Ordem dos Médicos, que, reconhecendo, e cito, que «existe forte evidência da
eficácia da canábis nalguns usos terapêuticos», avisa que «a sua prescrição deve ser exclusivamente médica,
enquanto medicamento, e não na forma fumada», acrescentando que «as eventuais alterações legais (...) não
devem negligenciar os potenciais riscos de saúde pública, incluindo o abuso na sua utilização como droga
recreativa».
Também não ignoramos que há multinacionais com interesses económicos na legalização da canábis. Este
é um elemento que para o Partido Ecologista «Os Verdes» assume relevância e que, por isso, deve ser
considerado nesta discussão.
O debate que hoje aqui estamos a fazer parece-nos fora de tempo. Na anterior discussão, o Grupo
Parlamentar «Os Verdes» defendeu a necessidade imperiosa de se aprofundar o debate sobre esta matéria
antes de se tomarem quaisquer decisões legislativas e isso ainda não foi feito.
De repente, voltamos a fazer a discussão sem se debater as consequências da chamada produção para
autoconsumo e da manipulação de elementos que podem ser prejudiciais, sem se debater as estruturas do
Estado dedicadas ao combate a todas as dependências e as consequências que isso tem na vida de milhares
de jovens, sem se debater as estratégias para diminuir os consumos desta e de outras substâncias e sem se
debater sequer, de forma aprofundada, os seus efeitos e os direitos de quem quer consumir e considera ser
capaz de o fazer com responsabilidade.
Enfim, Sr.as e Srs. Deputados, há múltiplos argumentos e Os Verdes são sensíveis a eles. Por isso, nos
abstemos. Uma posição que Os Verdes assumem como uma forma de cautela nos avanços que queremos
promover, mas também como uma predisposição para que o debate mais aprofundado se faça aqui, na
Assembleia da República. E esperamos que isso venha a acontecer.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Matos, do PS.
O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Faz agora exatamente 20 anos que Portugal iniciou um novo paradigma no combate às drogas. Fomos os primeiros no mundo a tratar adição e
consumo de drogas como uma matéria de saúde pública e não um problema criminal.
Os resultados dessa pioneira política pública desmentiram todas as críticas, que hoje se repetem na boca da
direita. O consumo de drogas diminuiu, os problemas de saúde associados ao consumo de drogas diminuíram
e o sucesso do modelo português fez de nós exemplo internacional, referido não só em publicações científicas
como por líderes internacionais, desde Barack Obama a Kofi Annan.
Essa reforma, votada nesta Casa, baseou-se na ciência, confrontou-se com os preconceitos e encarou a
existência do consumo de drogas em vez de fingir que o problema desaparece proibindo-se.
Mas 20 anos depois, o seu espírito deve levar-nos a encará-la como um ponto de partida e não um ponto de
chegada, porque a convicção humanista que nos levou a descriminalizar não pode dormir descansada com a
sujeição do consumo à criminalidade organizada ou à insegurança dos produtos. Isto porque, se a preocupação