11 DE JUNHO DE 2021
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Portanto, Sr.ª Deputada, não sei quem tem razão. O tempo dirá, mas, neste momento, é a melhor informação
que temos e é com base nela que hoje assumimos a nossa posição.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal, há 20 anos, inovou ao aprovar a descriminalização do consumo de drogas — já aqui foi dito. Inovou ao apresentar uma estratégia nacional de
luta contra a droga e toxicodependência integrada ao nível da prevenção, da redução de riscos, do tratamento,
da reinserção social, da dissuasão da toxicodependência que teve por base uma forte discussão com peritos
nacionais, instituições e pareceres internacionais sob a coordenação — também já aqui foi referido — do nosso
colega Prof. Alexandre Quintanilha, que saúdo e a quem agradeço este trabalho extraordinário que fez por
Portugal.
Aplausos do PS e do BE.
Somos hoje uma referência mundial, porque inovámos ao manter o consumo de drogas como um ilícito,
tendo-lhe retirado a dignidade penal, continuando, contudo, a assinalar o desvalor do ato, através de uma
censura por via administrativa, no respeito pelas convenções internacionais a que estávamos, e continuamos a
estar, vinculados.
Inovámos ao considerar o toxicodependente como um doente que necessita de tratamento e não como um
criminoso que deve ir para a prisão.
Inovámos porque quebrámos o paradigma repressivo, adotámos uma perspetiva aberta à complexidade,
pragmática, despida de preconceitos, respeitando a dignidade da pessoa humana, cujo objetivo foi salvaguardar
a saúde, a segurança das pessoas e a reinserção social dos toxicodependentes.
Assumimos, sem medo, os programas de redução de riscos que salvaram muitas vidas e aproximaram os
toxicodependentes do sistema de saúde, com resultados visíveis ao nível da diminuição do VIH/SIDA e de outras
doenças infetocontagiosas, com ganhos visíveis para a saúde dos consumidores, mas também para a saúde de
todos e de todas nós.
Foi um modelo que fez cair o estigma social e promoveu a reinserção social e o tratamento dos
toxicodependentes; um modelo que viu também reforçada a sua capacidade de detenção e de combate ao
tráfico; um modelo de desjudicialização dos consumos, com a criação das comissões para a dissuasão da
toxicodependência em todo o País, uma estratégia absolutamente inovadora para aproximar os
toxicodependentes do sistema de saúde. Fez-se, como nunca, uma distinção entre uso e abuso. Ou seja, fez-
se um modelo humanista e pragmático, de que muito nos orgulhamos.
Fernando Henriques Cardoso, ex-Presidente do Brasil e da Comissão Global sobre Políticas de Droga das
Nações Unidas, chegou mesmo a afirmar que a política nacional de droga, em Portugal, representa uma
verdadeira mudança de paradigma da política internacional de drogas, revela-se uma alternativa humanista e
eficiente às ações meramente repressivas que, além de inúteis, violam direitos humanos básicos, como o direito
à saúde e à reinserção social.
Vinte anos depois, faz sentido, sim, revisitar este modelo e atualizá-lo com a prudência e o rigor científico
que presidiu à sua implementação e à sua elaboração.
Novos avanços foram recentemente introduzidos com o uso da canábis para fins terapêuticos,
acompanhando as boas práticas internacionais e as recomendações da OMS sobre o potencial terapêutico da
canábis no tratamento da dor e de outras situações clínicas.
A canábis foi retirada da tabela IV, mas está integrada na tabela I da Convenção Única sobre os
Estupefacientes, da ONU, para se facilitar a sua acessibilidade à investigação e desenvolvimento para as
preparações necessárias e relacionadas com o seu uso médico.
Os projetos de lei que o Bloco de Esquerda e o Iniciativa Liberal nos apresentam hoje para legalizar, liberalizar
a canábis para uso pessoal, pese embora a bondade dos princípios em que assentam, em nosso entender
carecem de maior aprofundamento e discussão.