I SÉRIE — NÚMERO 80
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É importante sabermos isto quando estamos a dias de o Governo vir a esta Casa propor uma nova
estratégia contra a corrupção em que o enriquecimento ilícito fique completamente de fora da equação. É
importante sabê-lo quando o Governo, que prometeu uma grande estratégia de luta contra a corrupção, virá a
esta Casa, nos próximos dias, defender aquilo que é, em tudo, o seu contrário, ou seja, perdoar os corruptos
se eles confessarem. Isso é dar tapete vermelho, via verde e via aberta à corrupção em Portugal!
Além disso, 27% dos portugueses acham que a maioria dos Deputados são abrangidos por fenómenos de
corrupção; 16% acreditam que há ministros corruptos; e 15% acham que o próprio Primeiro-Ministro está
envolvido em corrupção. Trata-se do cenário de um país que poderia ser a Albânia ou a Macedónia, mas que
é aqui mesmo, na ponta oeste da Europa, aqui mesmo no País que podia ser a pérola da Europa e que se
tornou num emaranhado tremendo de corrupção que só destrói e só faz deixar de acreditar aqueles que ainda
acreditavam que era possível fazer Portugal.
Claro que teremos sempre a oposição dos «velhos do Restelo», daqueles que dizem que não podemos
fazer diferente porque o Tribunal Constitucional não deixa, a Constituição não quer, os nossos antepassados
não gostavam ou às nossas avós não alegrava… Mas a verdade é que a Convenção das Nações Unidas
Contra a Corrupção, de 2003, diz: «Cada Estado deve adaptar as medidas legislativas para criminalizar…» —
criminalizar! — «… o enriquecimento ilícito».
Para aqueles que andam sempre com as Nações Unidas na mão e com as convenções para trás e para a
frente, para um lado e para o outro, hoje, quando votarmos a criminalização do investimento ilícito, era um
bom dia para se lembrarem porque é que a Convenção das Nações Unidas disse que deveríamos criminalizar
este fenómeno.
Também não nos devemos esquecer que esta não é a única forma de o fazermos. Por isso, o Chega
propôs, nesta Casa, a duplicação das penas por corrupção em Portugal, proposta a que o Partido Socialista
honrosamente se opôs, perguntando como ficariam os outros fenómenos de corrupção, como a corrupção no
desporto ou a corrupção internacional. Foi o mesmo que dizer «não sancionem os pedófilos, senão como é
que os pobres dos violadores vão ficar a seguir…». É o pior de todos os argumentos!
Hoje, temos uma hipótese única de dar ao País um sinal de que este Parlamento não é condicente nem
complacente, não é condescendente nem aceita que haja gente a chegar a Lisboa com uma mão atrás das
costas e a sair com tesouros escondidos para o resto do País.
Hoje, este Parlamento pode mostrar ao País que não aceita que se chegue a Lisboa sem nada, para fazer
discursos políticos, e daqui se saia com fortunas enormes no cofre da mãe, do pai, da avó ou de outros
quaisquer.
Alguns dizem que não, que é populismo, mas lá fora os portugueses sabem que é tempo de este
Parlamento, finalmente, criminalizar o enriquecimento ilícito.
Olhem para o que dizem os jornais e vejam como nos envergonham títulos como «Entram pobres e saem
ricos. Será possível condenar políticos em Portugal?»
Qualquer um que olhasse para isto, de fora para dentro, pensaria que vivemos no reino da Macedónia ou
numa Albânia escondida pela União Soviética; mas não, é Portugal. É Portugal, parte da Europa ocidental, que
não consegue e continua a não querer criminalizar o enriquecimento ilícito.
Outros dizem-nos que esta é a história de como este Parlamento nunca conseguiu ter um consenso e só
isso deveria fazer-nos parar para pensarmos como é que chegamos a acordo com tanta coisa e não
conseguimos chegar a acordo para criminalizar aqueles que vivem à conta do dinheiro dos portugueses,
ocultando o rendimento aos portugueses e a roubar dinheiro que é de todos e que deveria ser por todos
distribuído. Hoje, este Parlamento tem uma oportunidade única para o fazer.
Queria terminar esta intervenção, Sr. Presidente, deixando claro aquele que é o meu sentimento. Sabemos
que o Tribunal Constitucional, já por duas vezes, aferiu propostas semelhantes a esta e sabemos que tem a
função única de salvaguardar a Constituição, mas também sabemos que somos nós os mandatários desse
povo português e que não podemos ceder naquele que é o objetivo essencial de criminalizar o enriquecimento
ilícito. Todas as outras tentativas, que visam transformar o enriquecimento ilícito numa espécie de obrigação
declarativa acrescida ou numa obrigação fiscal subsequente, podem até vir a passar no crivo do Tribunal
Constitucional, mas não salvaguardarão o essencial, que é dizer aos portugueses que não é tolerável que
quem gere o seu dinheiro, quem dá a cara, todos os dias, pela República chegue sem nada e saia com tudo
sem sequer justificar.